O Segundo
Império inicia com o golpe de estado de Luis Napoleão, em 1852; será coroado
Napoleão III, com poderes absolutos. Muito mais que pela repressão, o novo
regime se sustenta pela propaganda: grandes obras públicas, como a reforma
viária de Paris, a modernização da burocracia e o desenvolvimento econômico
tornarão o regime aceitável para a burguesia. O casamento com a espanhola
Eugênia de Montijo também não ajudou: a imperatriz estrangeira era
tremendamente impopular. E a partir de 1860 o imperador se torna visivelmente
cansado e doente.
O livro
busca dar um mostra do imaginário e da situação social presentes no final do
Segundo Império. O recorte realizado pelo autor mostra uma sociedade impedida
de falar sobre política que gasta toda sua energia em mexericos, novidades
triviais e busca do prazer; a imprensa francesa dá um destaque mórbido a um
caso de assassinato em série que concentra as atenções do público por meses. A
prostituição havia crescido espantosamente: apesar de haver 3.500 garotas
registradas na polícia como prostitutas em Paris, falava-se sem exagero em até
100.000 mulheres praticando o “ofício”, vindas de todas partes do mundo; isso,
associado às condições de higiene da cidade, criou um surto de doenças
venéreas.
Haussmann,
nomeado prefeito de Paris com plenos poderes, conduziu uma radical reforma na
cidade entre 1853 e 1870. A
cidade foi literalmente projetada de novo e reconstruída; dezenas de milhares
de pessoas tiveram suas casas derrubadas e foram remanejadas para novas áreas
habitacionais; a rede de esgoto foi quadruplicada, abertas mais de 80 quilômetros de
ruas, e avenidas foram alargadas de 7,5 metros para 30! A principal revolução, no
entanto, ocorreu na rede ferroviária, que foi sextuplicada; Paris foi dotada de
um complexo sistema ferroviário que a integrava não só a todo o pais, mas ao
continente; isso alimentou um círculo virtuoso de aumento no volume de cargas
transportadas, ampliação do comércio, valorização dos imóveis e um verdadeiro
boom na construção civil, que empregava 20% dos trabalhadores parisienses e
consumiu 2,5 bilhões de francos.
O
financiamento de tão portentoso empreendimento, que inicialmente deu um
importante impulso ao sistema bancário francês, ao final produziu um rombo de
500 milhões de francos e uma série de acusações de mal uso de verbas que
trariam um fim pouco honroso ao mandato de Haussmann.
Muitas
iniciativas comerciais tidas como invenções americanas na verdade surgiram em
Paris nestes anos de rápido crescimento urbano: a primeira cadeia de
restaurantes fast food, que servia refeições aos apressados funcionários do
comércio, repartições públicas e estabelecimentos bancários do centro da
cidade; a criação de uma cadeia de mercearias que comercializava comida pré-cozida
e a invenção da margarina, em 1869.
O novo
visual arquitetônico e sobretudo o rápido aumento da população urbana fez com
que muitos intelectuais se queixassem de que a cidade havia perdido sua
personalidade; tornara-se a Nova Babilônia...
O autor
está interessado sobretudo em pesquisar o imaginário parisiense que antecede e
acompanha os acontecimentos da Comuna. Seu relato parte de artigos
jornalísticos do período (tantos socialistas quanto conservadores) e de cartas
e diários de testemunhas dos fatos, sejam pessoas comuns do povo ou personagens
importantes do drama que se desenrola.
Às vésperas
da guerra franco-prussiana o Segundo Império está evidentemente agonizando. Os
longos anos de estado policial e intensa censura política criaram uma enorme
apatia na população; o espírito individualista e a busca do prazer constituem a
tônica do dia. A oposição, impedida de se manifestar, volta-se com entusiasmo
para idéias radicais e revolucionárias. É nesse contexto que Napoleão III cai
na própria armadilha; um dos pilares sobre a qual havia edificado seu regime
era o status de grande potência internacional que a França ostentava
exageradamente. O brilho desse status havia perdido parte de seu fulgor desde
que a Prússia vencera a Áustria, em 1866, e se tornara mais importante no
cenário continental. Bismarck acompanhava
a situação com grande interesse: a proteção francesa aos principados
alemães católicos era um dos grandes obstáculos para a unificação da Alemanha
sob o comando da Prússia; uma guerra com os esnobes franceses lhe parecia o
ingrediente faltante para concluir a unificação em grande estilo. O chanceler
concebe então uma provocação: a Prússia apresenta um candidato Hohenzorllen ao
trono espanhol, então envolto em aguda disputa sucessória. A França, como
esperado, protesta, e a candidatura prussiana é retirada. Mas Napoleão III dá
ouvidos a colaboradores que exigem uma resposta militar ao episódio; uma
demonstração militar iria restaurar o prestígio do regime, argumentam. Estes
são os argumentos frívolos que levam a França a declarar guerra. Os franceses
dispunham então de 300.000 soldados, em sua maioria destreinados, mal equipados
e mal administrados. A Prússia tinha uma magnífica máquina de guerra com 1
milhão de soldados e moral excelente...
O mais
incompreensível é que Napoleão III em pessoa decidiu assumir o comando das
tropas. Embarcou em 28/07 rumo à frente de batalha, deixando a imperatriz como
regente. Os franceses foram logo derrotados e começaram a recuar. O general
MacMahon foi batido em 27/08 perto de Sedan e em 01/09 o próprio imperador foi
cercado e feito prisioneiro!
A notícia
caiu como uma bomba em
Paris. Eugenia negou-se a abdicar; os gritos de “vive la republique” ecoaram pelas ruas;
parte da Garde Nationale amotinou-se. A imperatriz precisou fugir das Tulhérias
e escondeu-se na casa de seu dentista; ao fim de uma epopéia de vários dias
logrou chegar à Inglaterra. Em 06/09 o governador de Paris, general Trochu,
assumiu o controle em nome do “Governo de Defesa Nacional”. Victor Hugo
retornou do exílio; 300.000 parisienses foram mobilizados para defender a
cidade. Trochu na verdade temia dois inimigos: os prussianos e os socialistas
dos bairros operários.
A partir de
15/09 a cidade foi cercada pelos prussianos. Uma tentativa do general Ducrot de
barrar o avanço do inimigo fracassou em 19/09; Versalhes caiu no dia seguinte.
A partir de 23/09 uma linha de comunicações com o restante do país foi
estabelecida por meio de balões tripulados. Em 08/10 houve um princípio de
rebelião para derrubar Trochu e instalar um governo socialista, logo
controlada. Em 27/10 saíram de Paris as últimas legações estrangeiras.
A situação
torna-se deprimente: os prussianos limitam-se a bombardear a cidade e aguardam
que se renda; os parisienses aguardam na inatividade que algum exército venha
do oeste para romper o cerco. Enquanto isso enfrentam fomes e doenças. Apenas
em 29/11 Trochu tenta romper o cerco, sem sucesso; a luta estendeu-se até 03/12
em torno das pontes do Marne; houve 12.000 perdas.
O frio
aumenta o sofrimento da população civil; há enorme mortandade de crianças. A
partir de 27/12 novos canhões da Krupp intensificam o bombardeio. Os animais do
zoológico são sacrificados e vendidos para alimentar a população. No inicio de
janeiro o bombardeio fica ainda mais intenso. Há crônica falta de alimentos e
carvão.
Em 18/01
houve desesperada tentativa de romper o cerco com integrantes da Garde
Nationale. Houve 1.500 mortos. A nova derrota provocou a queda de Trochu e sua
substituição pelo general Vinoy. Em 22/01 houve novas agitações socialistas,
com cinco mortos. Finalmente, em 26/01/1871, a cidade capitulou. Eleições
realizadas em 08/02 empossaram um governo conservador liderado por Adolphe
Thiers. A derrota e a eleição do novo governo produziram uma onda de protestos
a partir de 24/02. Em 01/03, como parte do acordo de paz, forças prussianas
ocuparam os castelos de defesa de Paris. O novo governo estabeleceu-se em Versalhes. Em 18/03
Thiers organizou uma grande ação militar para restabelecer o controle de Paris;
a operação foi um fracasso: parte da Garde Nationale se amotinou e aliou-se aos
insurgentes; o governo teve de voltar correndo para Versalhes. Um comitê da
Garde Nationale assumiu o controle da cidade; era o inicio da Comuna.
Em 22/03
forças conservadoras (os “amigos da ordem”) organizaram uma marcha de protesto
que foi violentamente dispersada pela Garde Nationale. No dia 26 foi eleito o
novo governo dos communards; na
posse, em 28, 64 homens com cintas vermelhas nos braços indicavam a representatividade
da comuna: 19 membros da Garde Nationale, 25 jacobinos, 9 blanquistas; 20
seguidores de Proudhon; apenas 2 deles tinham ouvido falar de Karl Marx.
Christiansen
destaca outras características curiosas do grupo: há dois místicos militantes,
Julio Allix e Jules Babick (fundador do fusionismo); um jogador profissional de
bilhar, um proprietário de bordel, um pintor e um compositor de sucesso,
Jean-Baptiste Clement. Curiosamente, nenhum deles era operário. O presidente,
Charles Beslay, tinha pouca autoridade executiva; a maior parte do poder era
exercido por comitês. A partir de 01 de abril houve novos choques com tropas de
Versalhes; no dia 03 houve uma ambiciosa ofensiva para capturar a sede do
governo conservador; um grande fracasso.
A igreja
católica, vista como simpática aos versalheses, sofreu perseguições; diversos
padres foram presos. Bismarck, como parte da pressão para assinar um tratado de
paz definitivo com o governo francês, manteve canais diplomáticos abertos com a
Comuna. Marx, em Londres, desesperava-se de ver a inércia dos parisienses,
enquanto Thiers organizava um cerco da cidade em grande escala.
A Comuna
abriu as portas represadas do imaginário de reforma social. Havia de tudo, de
utopia a idéias vanguardistas: a Union
dês Femmes apoiava o esforço de guerra servindo nos hospitais, cantinas e
barricadas. A legislação, pela primeira vez na história, adota o princípio de
pagamento igual para trabalho igual. Os mais radicais defendem a abolição do
casamento e o amor livre. O pagamento de aluguéis foi suspenso, e a Federação
dos Artistas de Paris exigiu liberdade de expressão artística e reforma do
ensino.
A partir de
15/04 a Comuna tem moeda própria; por alguma curiosa razão, uma gravação da
borda tem a frase “Dieu protege la
France” (Deus proteja a França)...
As forças
de Thiers atacam a cidade desde o dia 19 e avançam lentamente; o bombardeio é
constante. A Comuna tem divisões internas cada vez mais violentas; Louis Rossel
fala da furgência de criar um comando militar que centralize a resistência, sem
sucesso. Há motins e a disciplina decai sensivelmente.
Em 29/04
uma enorme passeata com 15.000 maçons tentou negociar uma trégua, sem sucesso.
Os maçons estavam numa situação ambígua neste conflito: 15 delegados da Comuna
eram maçons, e idéias correntes na época associavam a Internacional com a
maçonaria; ao mesmo tempo parte significativa do governo de Versalhes era
formada por maçons.
Em 30/04 o
forte de Issy é recuperado pelos communards; a Garde Nationale calcula que
mobilizou mais de 160.000 soldados. A imprensa internacional apresenta a Comuna
sob as piores cores possíveis; para os jornais ingleses não passam de um bando
de assassinos. O New York Times teme que a revolta seja imitada em outros
lugares.
O forte de
Issy foi evacuado (08/05); isso provocou uma cascata de acusações de traição e
incompetência. No dia 10 a
França assinou o acordo de paz com a Prússia; estava aberto o caminho para o
cerco completo da cidade. A partir daí as disputas internas ficam cada vez mais
sérias. Em 22/05 as tropas versalhesas abriram uma brecha nos muros de Paris, e
passam a avançar rapidamente, enfrentando apenas resistência esporádica. Um
grupo de mulheres, as petroleuses,
adota táticas de guerrilha, incendiando casas para atrasar o avanço inimigo. Em
retaliação pelo massacre promovido pelos versalheses, a Comuna executa o
arcebipo de Paris e cinco clérigos (24/05). Os dois lados praticam excessos
cada vez mais sangrentos.
A última
barricada cai em 28 de maio. Versalhes perdeu 877 soldados durante o cerco e
ocupação de Paris; a Comuna perdeu 3.500 combatentes. Mas na razia praticada na
cidade após a ocupação houve 17.000 mortes em 15 dias... Cerca de 35.000
prisioneiros foram postos a ferros em navios no litoral da Bretanha. Um total
de 4.500 deles foram degredados para Nova Caledônia.
Uma nova
constituição foi promulgada em 04/09; Thiers caiu logo após as eleições de
1873. Cogitou-se por longo tempo da restauração da monarquia; afinal prevaleceu
um sistema republicano conservador.
A reflexão
sobre a derrota para a Prússia e os excessos da Comuna produziu conclusões
interessantes: alguns lembraram as teorias do conde de Gobineau sobre o
enfraquecidfmento racial devido à miscigenação. O médico alemão Karls Starck
destacava a dissolução moral, o alcoolismo e o desregramento sexual como causas
do fracasso. Entre 1870 e 1875 houve intensa repressão contra a prostituição;
leis contra a embriagues foram instituídas em 1873. No mesmo ano aprovou-se a
construção de uma nova basílica católica em Paris, o Sacre-Coeur. Uma onde de entusiasmo religioso espalhou-se pelo
pais; as peregrinações em massa a Lourdes tornaram-se comuns. O Estado aumentou
e, 3,5 milhões de francos o subsídio pago à igreja católica, instituiu-se um
rigoroso ensino religioso nas escolas, e novas universidades católicas foram
criadas.
Obras que
fazem elogios à Comuna só vão ser vistas na França a partir de 1886.
A conclusão
do autor é conflitante: embora ele tenha concebido a narrativa a partir da
idéia de uma “Paris entidade”, dotada de vontade e identidades próprias,
forjadas por todos os seus habitantes, esse questionado torna-se questionável a
partir da própria narrativa. Paris surge muito mais como uma barulhenta e
confusa multiplicidade, apontando para mil direções diferentes. Um
caleidoscópio variado e contraditório de riqueza, tirania, decadência,
revolução, mal generalizado, melancolia, tudo isso constituindo uma terrível
indivisibilidade.
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