sábado, 3 de setembro de 2011

As três hegemonias do capitalismo histórico - Giovanni Arrighi (in O Longo Século XX)

             O declínio do poderio mundial norte-americano, a partir de 1970, inicia um debate acadêmico sobre a ascensão e queda de estados hegemônicos; alguns autores buscam identificar similaridades estruturais nas diferentes situações históricas estudadas.
            Hegemonia aqui é entendida como a capacidade de um estado de exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas; não se trata de dominação pura e simples, mas de dominação intelectual e moral; as forças de oposição são eliminadas pela coerção e pelo exercício do poder econômico (corrupção, fraude). A hegemonia é também estabelecida a partir de um interesse geral que motive a adesão de estados a uma coalizão.
            As ascensões e declínios de estados hegemônicos não ocorrem num sistema mundial se expandindo independentemente numa estrutura invariável; o sistema mundial se forma e expande baseado em recorrentes reestruturações fundamentais; ascende o estado que aproveita com êxito situações de conflito que levam a um caos sistêmico, generalizando uma demanda por “ordem” e restabelecimento da cooperação interestatal.
            O moderno sistema de governo emergiu da desintegração do sistema da Europa medieval, que consistia numa relação senhor-vassalo, uma mistura de público e privado, mobilidade geográfica do poder e legitimação dada por um corpo comum de leis, religião e costumes. O sistema moderno torna as esferas pública e privada distintas; a jurisdição é claramente demarcada por fronteiras nacionais e está estreitamente associado ao desenvolvimento do capitalismo como sistema de acumulação mundial.
            Este vínculo é tanto contraditório como único: o capitalismo e os estados nacionais surgiram juntos e são inter-dependentes, mas há condições que fazem os capitalistas se oporem à ampliação do poder do estado; enquanto o foco estatal é a aquisição de territórios e o controle de populações, o foco do capitalista é o acúmulo de capitais. O estado usa o controle do capital como meio de adquirir territórios; o capitalista usa o controle do território como meio de acumular capitais. O apoio capitalista ao estado está condicionado ao seu funcionamento como facilitador do acúmulo de capitais. Cita como exemplo China e Europa nos séculos XIV-XV: enquanto o capitalismo é o grande motivador do esforço europeu de adquiri territórios, a China (superior tecnologicamente e muito rica) não tem motivação econômica para ir à Europa.
            A invenção do estado moderno ocorre primeiro nas cidades renascentistas da Itália setentrional. Veneza tem uma oligarquia mercantil que controla o poder estatal, com quatro características básicas:
  1. Sistema capitalista de gestão do estado e da guerra.
  2. Equilíbrio de poder como garantia de independência.
  3. Guerras concebidas como indústria de produção de proteção, autocusteadas.
  4. Desenvolvimento de redes de diplomacia para manutenção do equilíbrio.
            Às cidades italianas sucederam a Espanha. A nova tecnologia militar e o fluxo de riquezas vindas da América produziram um enorme aumento nos gastos militares; a escalada militar e a afirmação dos estados nacionais criaram enormes conflitos e tensão social; o uso da religião nos conflitos de poder aumentou a violência.
            As Províncias Unidas sobressaíram-se neste cenário, por serem os primeiros a liquidar o sistema de governo medieval. A Holanda surge como potência hegemônica após a Guerra dos Trinta Anos. Os acordos para proteger o comércio em tempo de guerra celebrados na Paz da Westfália criaram as condições para a expansão do capitalismo; Haia permanece até hoje como o centro da diplomacia européia.
            De 1652 a 1815 há a luta entre França e Inglaterra pela supremacia. Na primeira fase ambas tentaram anexar a Holanda para controlar suas redes comerciais; na segunda fase dos conflitos o alvo são as próprias redes comerciais holandesas; a geografia política do comércio mundial é reestruturada radicalmente: saem de cena portugueses, espanhóis e holandeses; ascendem franceses e ingleses no século XVIII.
            Características do capitalismo durante o mercantilismo anglo-francês: colonização direta, escravismo capitalista, nacionalismo econômico.
            No século XVIII o caos sistêmico é fruto da intromissão do conflito social nas lutas de poder; o equilíbrio é restabelecido com o Tratado de Viena (1815); a hegemônica agora é do imperialismo britânico de livre comércio; todo o sistema interestatal é reorganizado, e passa a haver um controle inédito de uma única potência sobre quase todo o mundo. A Inglaterra combina duas filosofias: uma política “veneziana” de equilíbrio europeu e aliança com monarquias reacionárias e uma política “espanhola” de imperialismo colonial e controle direto no restante do mundo (à exceção da América, onde há uma política de apoio à emancipação das novas nações em troca da abertura dos mercados).
            A partir de 1870 a Alemanha e os Estados Unidos vão alterar a balança de equilíbrio da Pax Britânica; ambas as nações experimentam uma fase territorialista com motivação econômica; em seguida experimentam uma espetacular fase de industrialização. Mas a posição geo-econômica dos Estados Unidos (tamanho territorial, posição insular em relação à Europa e central entre centro e regiões coloniais) será determinante em seu sucesso sobre a rival.
            A próxima crise sistêmica foi motivada por um processo de socialização da gestão da guerra e do estado: a industrialização da guerra vai aumentar a influência das classes operárias; há contestação do imperialismo e uma polarização entre duas facções opostas: Inglaterra e França a favor de manter o status quo (imperialismo de livre comércio) e os novatos (Alemanha, Japão) exigindo uma mudança no poder mundial. As duas guerras mundiais vão levar à ascensão dos Estados Unidos como nova potência hegemônica e produzir uma nova reformulação do sistema interestatal, baseado na oposição Estados Unidos x União Soviética.
            Diferenças entre os períodos hegemônicos britânico e norte-americano:
  • Foco inglês no imperialismo; os EUA apostam na descolonização.
  • Livre cambismo inglês; os EUA fazem pressão por abertura de mercados em mão única.
  • O controle financeiro se desloca dos governos para grupos particulares; enquanto as companhias inglesas tinham participação parcial do governo, no período americano o papel preponderante é das empresas multinacionais.
            Para Hopkins este processo todo tem uma continuidade: as fases holandesa, inglesa e norte-americana indicariam o nascimento, consolidação e desenvolvimento do capitalismo.
            O autor se debruça então sobre o universo de possibilidades da próxima crise sistêmica, e propõe alguns pontos para consideração:
O conceito de governo mundial; organizações como ONU e FMI assumindo cada vez mais atribuições antes exclusivas da nação hegemônica.
E a crise das nações territoriais como instrumentos efetivos de governo. Jackson fala de quase-estados, referindo-se às nações terceiromundistas que copiam o modelo republicano francês sem êxito e tornam-se disjunções: estruturas com exército moderno, aparência ocidental, políticas militares, uso arbitrário do poder estatal contra os cidadãos e burocratização ineficiente. Este quadro tem se agravado com o desmantelamento do mundo comunista.
O autor considera ainda que a intensa transnacionalização das empresas globais, longe de ser uma novidade, é um reprodução em escala muito maior de experiências feitas desde as cidades italianas.
Em resumo:
Ciclos seculares de Braudel:
Longo século XVI (1450-1640): etapa formativa da economia mundial-capitalista; ciclo sistêmico de acumulação (CSA) genovês.
Longo século XVII (1640-1776): CSA holandês.
Longo século XIX (1776-1914): etapa burguesa-liberal do capitalismo histórico; CSA inglês.
            Cada “século longo” tem uma estrutura apoiada em três períodos: um primeiro período de expansão financeira onde o novo regime de acumulação se desenvolve dentro do antigo, como parte integrante da expansão e contradição do último; um segundo período de consolidação e desenvolvimento do novo regime de acumulação e um terceiro período em que a expansão financeira volta a provocar contradições e cria espaço para o surgimento de novos regimes concorrentes e alternativos.
            Cada início de ciclo de expansão financeira é chamado de crise sinalizadora. Nesse momento o agente principal do processo sistêmico de acumulação desloca seu capital do comércio/produção para a especulação financeira; isso é um preâmbulo do aprofundamento da crise que leva à substituição de um regime de acumulação de capitais por outro (crise terminal). O ciclo genovês levou 290 para passar por todo esse processo; o ciclo holandês durou 220 anos e o inglês cerca de 190; essa aceleração do ritmo da história capitalista parece indicar um ciclo norte-americano (iniciado em 1870) ainda menor.

Indústria, imperialismo e acumulação de capital
Uma das pré-condições para o boom industrial inglês foi a transferência do mundo de altas finanças de Amsterdan para Londres (1780-83), em virtude da guerra. Esse aporte permitiu elevar os empréstimos do governo de 22 milhões de libras esterlinas (1792) para 123 milhões (1815).
A intensificação da competição levou à quebra de monopólios e queda dos preços, produzindo a Grande Depressão de 1873-96; a partir daí o grande capital se desloca da esfera de produção/comércio para as finanças, mais rentável; a expansão das redes bancárias forma a City. Banqueiros como os Rothschild tornaram-se um poder autônomo na Europa, financiando os projetos imperialistas e as guerras (os gastos militares das grandes potências européias subiram de 1332 milhões de libras em 1880 para 205 milhões em 1900 e 397 milhões em 1914).
A alta remuneração do capital especulativo criará uma onde de otimismo e desenvolvimento, a Belle Epoque (1897-1914). Após a I Guerra Mundial a Inglaterra experimentou uma grande expansão imperialista, mas já a culstos muito maiores que seus benefícios. Em 1931, com o colapso do padrão ouro, ocorre o fim do domínio britânico sobre o capital financeiro mundial. As altas finanças cruzam o Atlântico e se instalam em Wall Street; inicia o reinado do dólar.

3 comentários:

  1. Marcelo vc fez uma boa síntese!
    Parabéns!

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  2. Muito obrigado, li esse capítulo para um trabalho da faculdade mas tive muita dificuldade de entender de começo, depois de ler sua síntese me ajudou a compreender melhor esse capítulo.

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  3. Melhor resenha sobre o texto disponível na internet. =)

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