Sinopse
O
filme "O Patriota" foi dirigido por Roland Emmerich e seu
roteiro foi escrito por Robert Rodat (que escreveu também o roteiro de "O
Resgate do Soldado Ryan"). Fazem parte do elenco os atores Mel Gibson e
Heath Ledger, dentre outros. O filme é ambientado na Carolina do Sul em 1776, e
o seu contexto histórico é a Revolução Americana. O pai, Benjamin Martin
(Mel Gibson) luta ao lado de seu filho idealista Gabriel (Heath Ledger), para
defender a sua família e a causa norte-americana (Independência das treze
colônias que estavam sob o domínio Britânico). Ex- combatente nas guerras
coloniais contra os franceses, agora com seus sete filhos, sofre com o conflito
espiritual e moral por ter cometido ações cruéis no passado.
Benjamin Martin,
viúvo, vive com seus sete filhos (Gabriel, Thomas, Samuel, Nathan,
Margareth, Willian e Suzan) em uma fazenda na Carolina do Sul. Ele é
então convocado para ir a Filadélfia para um debate sobre a adesão da Carolina
do Sul à guerra com a Inglaterra; Benjamin se opõe ao conflito. Contudo, seu
filho Gabriel, profundamente idealista, ingressa no exército. Com o intuito de
proteger seu filho, acaba ingressando também. Sua fazenda foi transformada em
palco de guerra e nessas circunstâncias teve seu filho Thomas assassinado pelo
Coronel Willian Tavigton que servia o Rei George III da Inglaterra. Durante sua
jornada na guerra, buscou incessantemente vingança pela morte de seu filho,
travando uma batalha pessoal com o seu inimigo.
Benjamin Martin organizou
uma milícia composta por colonos civis, escravos e fazendeiros que combateu ao
Sul dos EUA. Durante um dos conflitos seu filho mais velho é assassinado
também. Infeliz por não poder salvar seu próprio filho, decide sair da
guerra e voltar para casa. No entanto, ao ver a bandeira que seu filho tanto
lutou para honrar, decidiu retomar a luta.
Os milicianos
receberam apoio da França, representada no filme pelo personagem Jean Villeneuve. O
filme é inspirado numa concepção ufanista e ideológica do “nascimento da nação
americana”, aqui apresentada como o primeiro governo democrático do mundo.
Análise
O
filme retrata uma situação claramente maniqueísta, tão ao gosto das produções
cinematográficas: é uma luta entre o bem e o mal, em nenhum momento paira
qualquer dúvida sobre quem são o mocinho e o vilão.
O
drama pessoal de Benjamin Martin (o personagem de Mel Gibson) representa o
universo de representações sobre a própria nação norte-americana no contexto
descrito: Benjamin vai à Filadélfia participar de um congresso que vai decidir
pela adesão da Carolina do Sul à guerra contra a Inglaterra; a despeito de sua
simpatia pelo movimento de independência, ele se opõe à guerra e entra em sério
conflito com seu filho Gabriel, que decide se alistar.
A
cena do congresso é significativa: apesar da imensa anglofobia que domina a
cidade (bonecos vestidos como soldados ingleses são vistos sendo queimados na
frente dos prédios públicos), a assembléia debate democraticamente a questão:
até mesmo um americano leal à coroa inglesa fala com inteira liberdade.
Quando
o representante do exército continental fala em lutar pela nação causa uma
curiosa confusão entre os assistentes, claramente identificados como cidadãos
da Carolina do Sul. “Que nação é essa?”, indagam. “Uma nação americana”,
responde um dos assistentes. “Somos cidadãos de uma nação americana, e nossos
direitos estão sendo ameaçados por um tirano a 3.000 milhas daqui”.
A
fala de Benjamin contrária à independência retrata o pensamento libertário da
época:
“Porque se livrar de um tirano a 3.000 milhas daqui
para cair nas mãos de 3.00 tiranos a uma milha daqui? Legisladores eleitos
podem cercear os direitos de um homem tão facilmente quanto um rei.”
Benjamin
é contrário aos impostos ingleses e favorável ao “auto-governo das colônias”,
mas decididamente se opõe a uma guerra contra a Inglaterra. O representante do
exército declara: “Se nossos princípios exigem a independência, a guerra é o
único caminho”. Ao final, Benjamin esclarece sua oposição: seu papel como pai
(suas obrigações morais) se sobrepõe às suas obrigações como cidadão: “Sou pai,
não posso me dar ao luxo de ter princípios”.
Seu
filho mais velho, Benjamin, contraria suas ordens e decide se alistar.
O
conflito Benjamin x Gabriel alegoriza a imensa divisão que havia entre os
próprios colonos americanos quanto à questão de combater contra a Inglaterra,
como aparece retratada no filme no resultado da votação pelo conflito: 28 votos
contra 12; Willi Adams avalia entre 80.000 e 100.000 o número de pessoas que
abandonaram as colônias rebeldes durante o conflito (Adams, p. 26); o texto de
Bernard Vincent informa que até 1775
a idéia de independência era tremendamente impopular e
“o homem que se pronunciasse a seu favor na presença de terceiros estaria se
arriscando” (Vincent, p. 50); o próprio Thomas Paine é adversário da idéia
nesse periodo.
A
primeira parte do filme retrata os americanos lutando à maneira européia e
sofrendo sucessivas derrotas.
Passaram-se
dois anos e o conflito logo chega à propriedade de Benjamin, na Carolina do
Sul; suas terras são ocupadas pelo exército inglês; os britânicos se comportam
de forma desumana e na ocasião Gabriel é feito prisioneiro e outro filho de
Benjamin, Thomas, é assassinado pelo coronel Willian Tavigton. Diante de
tamanha violência Benjamin decide lutar.
A
invasão da propriedade de Benjamin e os excessos dos ingleses representam a
forma como os colonos visualizam a situação: os protestos pacíficos dos colonos
contra as taxações e um conjunto de medidas arbitrárias por parte do governo
britânico são reprimidas violentamente, como na ocasião do Massacre de Boston,
em 1770; diante da violência dos ingleses e do fracasso das negociações não
resta outro recurso que a rebelião armada; o recurso discurso é assim
apresentado por Willi Adams: “a revolução americana (...) é o último ato
desesperado de resistência de colonos explorados” (Adams, p. 15).
O
personagem Benjamin constitui uma clara representação idealizada do colono
norte-americano: ele é um pacífico agricultor devotado inteiramente à família;
seu comportamento está impregnado de um forte senso moral de dever; no filme
ele é um pai que educa sozinho seus sete filhos depois do falecimento de sua
esposa, Elizabeth. Seu elevado senso de moral e justiça é mostrado nas cenas
sobre sua propriedade: é um pai preocupado em educar seus filhos através do
exemplo; os negros vistos trabalhando em suas plantações sugerem que seja um
proprietário de escravos; mas quando as forças inglesas chegam e anunciam sua
liberdade, um deles logo esclarece que são trabalhadores livres assalariados. Benjamin
lembra exatamente a forma como Tocqueville representa o povo norte-americano em
Democracia na América: “(...) as
conquistas do americano se fazem com a charrua do agricultor, as do russo com a
espada do soldado” (Losurdo, p. 94).
Há
outra dimensão evidente no filme: a enorme importância de que se reveste a “religião
civil”, essa apropiração de valores protestantes que é tão singular na cultura
americana (Oliveira, p. 13), na formatação do comportamento social do colono; o
profundo senso moral da sociedade da época é retratado, por exemplo, na rígida
etiqueta social que impede a aproximação entre o viúvo Benjamin e sua cunhada
solteira, Charlote Seltton, a despeito da evidente “química” existente entre os
dois personagens; outro exemplo significativo está no noivado entre Gabriel e
Anne Howard: durante um intervalo nos combates Gabriel é hospedado na casa dos
pais da noiva; a condição para poder dormir na casa é que ele seja costurado
num saco que cobre todo seu corpo, para evitar qualquer contato físico entre os
noivos durante a noite!
Aqui
se abre uma dicotomia interessante: ao mesmo tempo em que Benjamin e sua
família representam uma espécie de inocente pureza cristã do colono americano,
impregnado de altos valores morais e senso de justiça, Benjamin também
representa um outro “eu” oculto, cuja lembrança é extremamente dolorosa. A
“sombra” de Benjamin está representada pelo periodo em que ele lutou lado a
lado com indígenas simpáticos à coroa inglesa contra os colonizadores franceses
e seus próprios aliados autóctones; aqui ele surge como o colono fronteiriço
que constitui uma síntese do que há de melhor nas duas culturas; ele assimila
toda a habilidade indígena em lidar com a natureza do novo continente, suas
capacidades guerreiras, e as combina harmoniosamente com a estratégia militar
européia e os valores morais cristãos.
Ele
é aqui o que Frederick Turner retrata como a transformação do europeu em
americano:
“O
resultado é que, até à fronteira, a inteligência americana deve as suas
caracteristicas marcantes. Essa rudeza e força combinadas com a perspicácia e
curiosidade que são, por sua vez, prática inventiva da mente, rápida para
encontrar expedientes, que se agarram magistralmente às coisas materiais, sem
nada no campo artístico, mas poderosa para efetuar grandes fins (...)” (Turner,
in “o significado da fronteira na história americana”)
Significativamente,
a despeito de utilizar magistralmente o fuzil, a arma preferida de Benjamin é
uma machadinha indígena que ele utiliza com grande violência, relíquia dos tempos
das guerras com os franceses; que nos remete ao texto de Guazzelli:
“O
modelo do ‘civilizador’ encontra em Boone a figura típica do fronteiriço, que
para superar os selvagens assemelha-se aos mesmos em hábitos, resistência às
adversidades do ambiente e exercendo a brutalidade quando necessário, cioso de
sua importância para o país (...). Daniel Boone, além de tudo, foi um destacado
partisan durante a Revolução
Americana: o homem da fronteira era também um dos fundadores da nação
americana”. (Guazzelli, p. 130)
Enquanto
frontiersman, Benjamin é superior ao
europeu. Três figuras européias da trama retratam isso com clareza: a primeira
delas é o coronel William Tavington, responsável pela morte de dois filhos de
Benjamin. Tavington é apresentado como um carreirista interesseiro, cruel e
sádico; é desprovido de valores éticos; num dos momentos mais dramáticos da
trama ele aprisiona famílias de colonos dentro de uma igreja e incendeia o
prédio. A representação é evidente: o inglês não tem respeito nem pela vida
humana nem pela religião, ambas tão caras ao colono.
Enquanto
Benjamin coleciona vitórias militares a partir de estratagemas criativos (um
deles inclui uma troca de bonecos de feno vestidos como soldados ingleses por
combatentes da milícia), Tavington somente sabe lutar com extrema brutalidade e
covardia, expressa pela absoluta vantagem de recursos militares de que dispõe.
O
superior de Tavington, general Lord Charles Cornwallis, é representado como um
aristocrata; fiel à sua origem nobre, Cornwallis também possui senso de justiça
e de ética militar; se opõe aos excessos de Tavington, argumentando de forma
pragmática: “esses colonos são nossos irmãos; depois que o conflito terminar
restabeleceremos o comércio com eles”; mas, ao contrário de Benjamin, que mesmo
nos momentos mais difíceis coloca seus valores morais acima das questões
militares, o orgulho do lorde inglês fala mais forte que seus valores: diante
da humilhação de ser repetidamente vencido por um bando de colonos ignorantes,
Cornwallis dá carta branca para que Tavington use táticas genocidas contra os
americanos.
O
terceiro europeu é aliado dos americanos, o francês Jean Villeneuve; o filme é
mais benevolente com ele, e o personagem inspira simpatia pela maneira
atrapalhada como é representado; mas a mensagem é clara: Villeneuve conhece
apenas a forma européia de fazer guerra, que no contexto é muito inferior às
estratégias de guerrilha indígena conduzidas por Benjamin. O Patriota, a despeito disso, faz enormes progressos ao retratar o
apoio francês ao movimento norte-americano; diversos outros filmes retratam o
conflito como uma luta exclusivamente entre os colonos americanos e a maior
potência militar da época.
Há
outros dois personagens que merecem destaque: o primeiro é um escravo, Occam,
que foi oferecido por seu proprietário para lutar na guerra de independência;
seu proprietário assim o define: “ele não é experto, mas é forte como um touro”.
Occam é discriminado por um colono branco a quem ele vai salvar a vida durante
uma retirada; o colono então vai passar a tratá-lo como um igual. Inicialmente
obrigado por seu proprietário a lutar, Occam passa a desenvolver um espírito
patriótico quando fica sabendo de um decreto de George Washington que ordena a
libertação dos escravos que lutem no exército continental.
Tal
como Benjamin, Houcar alegoriza no filme uma dinâmica da própria nação: o
processo de incorporação do negro à nação americana. A ele pertence a mensagem
de esperança, no final da história; ele aparece à frente de um grupo de homens
brancos que constroem a nova casa de Benjamin; em nome do grupo ele diz:
“Gabriel disse que se vencermos essa guerra poderemos construir um mundo novo.
Decidimos começar aqui mesmo”. O filme
está, evidentemente, representando o mito ideal do nascimento da “nação da
liberdade” que é tão caro aos norte-americanos; essa assimilação é na verdade muito
posterior à própria Guerra Civil, quase um século depois.
O
outro personagem é o americano que havia se declarado leal à Coroa no inicio do
filme; agora alistado no exército inglês como o capitão Wilkins; ele aparece no
filme sendo discriminado por oficiais ingleses; Tavington se refere a ele como
“mais um da colônia”. No afã de conquistar a confiança dos ingleses ele vai
comandar a operação mais infame da película, queimando civis presos numa
igreja. Wilkins é aqui a alegoria do traidor; tendo traído a sua pátria, perde
seu norte, perde progressivamente todos seus valores morais.
Finalmente,
Gabriel pode ser interpretado como uma alegoria da pureza de ideais da nova
nação; sua atuação mais significativa ao longo do filme se dá quando ele
recupera uma bandeira norte-americana abandonada no campo de batalha; ele se
ocupa de costurar todos seus remendos nos intervalos das batalhas, enquanto faz
preleções apaixonadas sobre a nova nação que vai surgir para personagens como
Houcar; quando ele é morto Benjamin pensa em abandonar a luta, desanimado. Mas
a visão da bandeira restaurada por Gabriel lhe dá forças para voltar ao
combate; Benjamin, que até então faz uma luta por vingança, agora luta pelos
novos ideais representados pela bandeira; o frontiersman,
o americano mais autêntico, adotou agora de corpo e alma os ideais da nova
nação americana.
Bibliografia
ADAMS, Willi. Revolucion y fundacion del
estado nacional, 1763-1815.
GUAZZELLI, César A. B. Fronteiras
americanas na primeira metade do século XIX: o triunfo das representações nos
Estados Unidos da América.
LOSURDO, Domenico. Democracia ou
Bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal.
OLIVEIRA, Lucia. Americanos:
representações da identidade nacional no Brasil e nos EUA.
TURNER, Frederick J. O
Significado da fronteira na historia americana, 1893.
VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o
revolucionário da liberdade.
boa análise, entretanto, o Congresso que Benjamim participa não é o do Filadélfia, mas sim um congresso menor em Charles Town.
ResponderExcluirEstá correto; agradeço pelo comentário.
Excluirsor everton kkkkkkkk pra dificilll kk
ResponderExcluirQuero saber quem são os personagens principais quais suas funções & também quais os principais acontecimentos/desfecho? Desde Já Agradeço
ResponderExcluirResumindo, é um filme tão fictício quanto Diamante de Sangue
ResponderExcluiro filme é baseado em uma história que aconteceu, sobre a independencia dos EUA
ExcluirQuais são os principais personagens ?
ResponderExcluirqual o motivo da guerra apresentado no filme
ResponderExcluirA independência dos Estados Unidos da AMÉRICA.
ExcluirSe vc assistir vai saber quem são os principais.
ResponderExcluirOnde ocorreu a guerra final?
ResponderExcluirA diferença entre a cultura americana e a cultura inglesa
ResponderExcluirA diferença entre a cultura americana e a cultura inglesa
ResponderExcluirQual foi os impostos cobrados pela coroa inglesa??
ResponderExcluirQual foi os impostos cobrados pela coroa inglesa??
ResponderExcluiro filme é chato d++ quase dormir assistindo ele
ResponderExcluirÑ acho ele e muito bom
ExcluirEstou passando o filme para meus alunos do segundo ano do Ensino Médio. Porém, antes, dei duas aulas sobre esse processo revolucionário nas treze colônias. Pretendo fazer uma analise de como foi o processo de juntar conhecimentos prévios formalizados em aula expositiva e de leituras com o filme em questão chegando nas aprendizagens e conhecimento histórico escolar que os alunos adquiriram. Gostei muito da sua análise.
ResponderExcluirOlá, Rutemara. Ótima estratégia, está instrumentalizando seus alunos para poderem tirar um bom proveito do filme; agradeço pelos comentários.
ExcluirDepois de sua análise, temos uma boa ferramenta para discutir história e cinema,obrigado por compartilhar.
ResponderExcluirExcelente análise, podemos trabalhar em sala história e cinema, obrigado por compartilhar.
ResponderExcluirQuais são alguns dos erros desse filme?
ResponderExcluirbenjamim morreu no final ?
ResponderExcluiranalise muito boa parabens e muito obrigado esta muito bom
ResponderExcluirSkin oferece ajuda militar os colonos na luta contra a Inglaterra
ResponderExcluirSkin oferece ajuda militar os colonos na luta contra a Inglaterra
ResponderExcluirTambém uma região também influenciou na igualdade Econômica Educacional entre os colonos da América explique
ResponderExcluirPOR FAVOR QUAIS SAO AS CENAS DO FILME QUE APRESENTA MANIQUEISMO????? OBG
ResponderExcluirO filme e super interessante,gostei muito
ResponderExcluir