sexta-feira, 1 de julho de 2011

A cultura material no estudo das sociedades antigas. Artigo de Ulpiano T. Bezerra de Meneses na Revista de História n. 115; USP, 1983; breve resumo

           Sinopse de artigo do prof. Ulpiano T. Bezerra de Meneses [1]

            O objetivo do autor é refletir sobre o potencial e a especificidade do estudo da cultura material, e demonstrar como algumas abordagens tradicionais sobre o assunto limitam o campo de estudo, não só na História Antiga como em todos os domínios da História.
            Ele inicia explicando as três posturas usuais que encontra, usando como referência principal a bibliografia recente da História de Grécia e Roma:

  • Marginalização da cultura material: a ênfase está nas estruturas mentais e nas fontes literárias, há um desprezo pelas realidades físicas.
  • Uso instrumental da cultura material: a mais freqüente delas, onde a informação arqueológica serve de controle ou complementação da documentação textual; serve basicamente para datar ou confirmar/negar o que está escrito, no estilo de livros como E a Bíblia tinha razão; arqueologia vista como disciplina auxiliar da história.
  • Uso didático da cultura material: o universo material serve apenas para ilustrar as afirmações do texto; usualmente empregado em manuais de história.
          O autor considera que estas posturas são fruto de uma série de alegações equivocadas sobre a natureza da documentação material:

  • As coisas materiais são uma parcela reduzida dos fenômenos históricos, não expressam a totalidade do universo social.
  • Além de parcial, a documentação material é aleatória, produto de filtros culturais (rejeito, abandono, perda casual) e naturais (processos biológicos, geológicos).
  • Há um fosso intransponível entre o sítio arqueológico e o sistema cultural que o produziu; o que mais caracteriza o depósito arqueológico é o lixo, o que foi excluído do ciclo vivo da atividade cultural.
             Rebatendo essas alegações, o autor cita estudos que demonstram como os objetos podem transcender a esfera de satisfação de necessidades e se inserir na significação de valores sociais, constituindo e operando um sistema de comunicação; como é o caso do vestuário, que além de informar sobre técnicas de manejo de materiais e situação econômica possui toda uma significação que informa sobre relações sociais (sexo, idade, profissão, status, etc). Além disso, os textos que chegaram até nós são tão fragmentários e aleatórios quanto a cultura material.
            A cultura material, como as fontes literárias, não é auto-explicativa; ambos necessitam de análises por inferência e abstração.
            E finaliza destacando o potencial da documentação física: além de informar sobre sua própria materialidade (matéria prima e seu processamento, tecnologia, morfologia, funções), fornece em grau considerável informação de natureza relacional, remetendo às formas de organização da sociedade que a produziu e consumiu. Ela é particularmente vantajosa em relação aos documentos literários quando informa sobre o universo quotidiano de uma sociedade; e como, ao considerá-la como produto e vetor de relações sociais, ela auxilia não só a determinar formas de organização social, mas também sua estrutura, funcionamento e comportamento ao longo do tempo, e suas mudanças; estudos como os de análise espacial dão suporte fundamental para compreender atividades, relações e organização; estudos demográficos (sobretudo a partir de restos ósseos ou restos alimentares) permitem avaliar a escala de fenômenos sociais; os trabalhos em contextos funerários abrem um vasto leque de informação sobre status, hierarquias, diferenciação social, etc. Essa capacidade de estudar sistemas sócio-culturais, no entendimento do autor, confere à Arqueologia seu status próprio como ciência, o de História da cultura material.

            Muitas perguntas nunca serão respondidas. Fica óbvio, porém, que outras muitas não foram até hoje respondidas por que nunca foram propostas.


[1] In Revista de História, no. 115, julho/dezembro de 1983; São Paulo: USP.
           

Nenhum comentário:

Postar um comentário