O declínio do poderio mundial
norte-americano, a partir de 1970, inicia um debate acadêmico sobre a ascensão
e queda de estados hegemônicos; alguns autores buscam identificar similaridades
estruturais nas diferentes situações históricas estudadas.
Hegemonia aqui é entendida como a
capacidade de um estado de exercer funções de liderança e governo sobre um
sistema de nações soberanas; não se trata de dominação pura e simples, mas de
dominação intelectual e moral; as forças de oposição são eliminadas pela
coerção e pelo exercício do poder econômico (corrupção, fraude). A hegemonia é
também estabelecida a partir de um interesse geral que motive a adesão de
estados a uma coalizão.
As ascensões e declínios de estados
hegemônicos não ocorrem num sistema mundial se expandindo independentemente
numa estrutura invariável; o sistema mundial se forma e expande baseado em
recorrentes reestruturações fundamentais; ascende o estado que aproveita com
êxito situações de conflito que levam a um caos sistêmico, generalizando uma
demanda por “ordem” e restabelecimento da cooperação interestatal.
O moderno sistema de governo emergiu
da desintegração do sistema da Europa medieval, que consistia numa relação
senhor-vassalo, uma mistura de público e privado, mobilidade geográfica do
poder e legitimação dada por um corpo comum de leis, religião e costumes. O
sistema moderno torna as esferas pública e privada distintas; a jurisdição é
claramente demarcada por fronteiras nacionais e está estreitamente associado ao
desenvolvimento do capitalismo como sistema de acumulação mundial.
Este vínculo é tanto contraditório
como único: o capitalismo e os estados nacionais surgiram juntos e são
inter-dependentes, mas há condições que fazem os capitalistas se oporem à
ampliação do poder do estado; enquanto o foco estatal é a aquisição de
territórios e o controle de populações, o foco do capitalista é o acúmulo de
capitais. O estado usa o controle do capital como meio de adquirir territórios;
o capitalista usa o controle do território como meio de acumular capitais. O
apoio capitalista ao estado está condicionado ao seu funcionamento como
facilitador do acúmulo de capitais. Cita como exemplo China e Europa nos séculos
XIV-XV: enquanto o capitalismo é o grande motivador do esforço europeu de
adquiri territórios, a China (superior tecnologicamente e muito rica) não tem
motivação econômica para ir à Europa.
A invenção do estado moderno ocorre
primeiro nas cidades renascentistas da Itália setentrional. Veneza tem uma
oligarquia mercantil que controla o poder estatal, com quatro características
básicas:
- Sistema capitalista de gestão do estado e da guerra.
- Equilíbrio de poder como garantia de independência.
- Guerras concebidas como indústria de produção de proteção, autocusteadas.
- Desenvolvimento de redes de diplomacia para manutenção do equilíbrio.
Às cidades italianas sucederam a
Espanha. A nova tecnologia militar e o fluxo de riquezas vindas da América
produziram um enorme aumento nos gastos militares; a escalada militar e a
afirmação dos estados nacionais criaram enormes conflitos e tensão social; o
uso da religião nos conflitos de poder aumentou a violência.
As Províncias Unidas sobressaíram-se
neste cenário, por serem os primeiros a liquidar o sistema de governo medieval.
A Holanda surge como potência hegemônica após a Guerra dos Trinta Anos. Os
acordos para proteger o comércio em tempo de guerra celebrados na Paz da
Westfália criaram as condições para a expansão do capitalismo; Haia permanece
até hoje como o centro da diplomacia européia.
De 1652 a 1815 há a luta entre
França e Inglaterra pela supremacia. Na primeira fase ambas tentaram anexar a
Holanda para controlar suas redes comerciais; na segunda fase dos conflitos o
alvo são as próprias redes comerciais holandesas; a geografia política do
comércio mundial é reestruturada radicalmente: saem de cena portugueses,
espanhóis e holandeses; ascendem franceses e ingleses no século XVIII.
Características do capitalismo
durante o mercantilismo anglo-francês: colonização direta, escravismo
capitalista, nacionalismo econômico.
No século XVIII o caos sistêmico é
fruto da intromissão do conflito social nas lutas de poder; o equilíbrio é
restabelecido com o Tratado de Viena (1815); a hegemônica agora é do
imperialismo britânico de livre comércio; todo o sistema interestatal é
reorganizado, e passa a haver um controle inédito de uma única potência sobre
quase todo o mundo. A Inglaterra combina duas filosofias: uma política “veneziana”
de equilíbrio europeu e aliança com monarquias reacionárias e uma política
“espanhola” de imperialismo colonial e controle direto no restante do mundo (à
exceção da América, onde há uma política de apoio à emancipação das novas
nações em troca da abertura dos mercados).
A partir de 1870 a Alemanha e os Estados
Unidos vão alterar a balança de equilíbrio da Pax Britânica; ambas as nações experimentam uma fase
territorialista com motivação econômica; em seguida experimentam uma
espetacular fase de industrialização. Mas a posição geo-econômica dos Estados
Unidos (tamanho territorial, posição insular em relação à Europa e central
entre centro e regiões coloniais) será determinante em seu sucesso sobre a
rival.
A próxima crise sistêmica foi
motivada por um processo de socialização da gestão da guerra e do estado: a
industrialização da guerra vai aumentar a influência das classes operárias; há
contestação do imperialismo e uma polarização entre duas facções opostas:
Inglaterra e França a favor de manter o status
quo (imperialismo de livre comércio) e os novatos (Alemanha, Japão)
exigindo uma mudança no poder mundial. As duas guerras mundiais vão levar à
ascensão dos Estados Unidos como nova potência hegemônica e produzir uma nova
reformulação do sistema interestatal, baseado na oposição Estados Unidos x
União Soviética.
Diferenças entre os períodos hegemônicos
britânico e norte-americano:
- Foco inglês no imperialismo; os EUA apostam na descolonização.
- Livre cambismo inglês; os EUA fazem pressão por abertura de mercados em mão única.
- O controle financeiro se desloca dos governos para grupos particulares; enquanto as companhias inglesas tinham participação parcial do governo, no período americano o papel preponderante é das empresas multinacionais.
Para Hopkins este processo todo tem
uma continuidade: as fases holandesa, inglesa e norte-americana indicariam o
nascimento, consolidação e desenvolvimento do capitalismo.
O autor se debruça então sobre o
universo de possibilidades da próxima crise sistêmica, e propõe alguns pontos
para consideração:
O conceito de governo mundial; organizações como ONU
e FMI assumindo cada vez mais atribuições antes exclusivas da nação hegemônica.
E a crise das nações territoriais como instrumentos
efetivos de governo. Jackson fala de quase-estados,
referindo-se às nações terceiromundistas que copiam o modelo republicano
francês sem êxito e tornam-se disjunções:
estruturas com exército moderno, aparência ocidental, políticas militares, uso
arbitrário do poder estatal contra os cidadãos e burocratização ineficiente.
Este quadro tem se agravado com o desmantelamento do mundo comunista.
O autor considera ainda que a intensa
transnacionalização das empresas globais, longe de ser uma novidade, é um
reprodução em escala muito maior de experiências feitas desde as cidades
italianas.
Em resumo:
Ciclos
seculares de Braudel:
Longo
século XVI (1450-1640): etapa formativa da economia mundial-capitalista; ciclo
sistêmico de acumulação (CSA) genovês.
Longo
século XVII (1640-1776): CSA holandês.
Longo
século XIX (1776-1914): etapa burguesa-liberal do capitalismo histórico; CSA
inglês.
Cada “século longo” tem uma
estrutura apoiada em três períodos: um primeiro período de expansão financeira
onde o novo regime de acumulação se desenvolve dentro do antigo, como parte
integrante da expansão e contradição do último; um segundo período de
consolidação e desenvolvimento do novo regime de acumulação e um terceiro
período em que a expansão financeira volta a provocar contradições e cria
espaço para o surgimento de novos regimes concorrentes e alternativos.
Cada início de ciclo de expansão
financeira é chamado de crise
sinalizadora. Nesse momento o agente principal do processo sistêmico de
acumulação desloca seu capital do comércio/produção para a especulação financeira;
isso é um preâmbulo do aprofundamento da crise que leva à substituição de um
regime de acumulação de capitais por outro (crise terminal). O ciclo genovês levou 290 para passar por todo
esse processo; o ciclo holandês durou 220 anos e o inglês cerca de 190; essa
aceleração do ritmo da história capitalista parece indicar um ciclo
norte-americano (iniciado em 1870) ainda menor.
Indústria,
imperialismo e acumulação de capital
Uma das pré-condições para o boom industrial inglês foi a transferência do mundo de altas
finanças de Amsterdan para Londres (1780-83), em virtude da guerra. Esse aporte
permitiu elevar os empréstimos do governo de 22 milhões de libras esterlinas
(1792) para 123 milhões (1815).
A intensificação da competição levou à quebra de monopólios
e queda dos preços, produzindo a Grande Depressão de 1873-96; a partir daí o
grande capital se desloca da esfera de produção/comércio para as finanças, mais
rentável; a expansão das redes bancárias forma a City. Banqueiros como os Rothschild tornaram-se um poder autônomo
na Europa, financiando os projetos imperialistas e as guerras (os gastos
militares das grandes potências européias subiram de 1332 milhões de libras em
1880 para 205 milhões em 1900 e 397 milhões em 1914).
A alta remuneração do capital especulativo criará uma
onde de otimismo e desenvolvimento, a Belle
Epoque (1897-1914). Após a I Guerra Mundial a Inglaterra experimentou uma
grande expansão imperialista, mas já a culstos muito maiores que seus
benefícios. Em 1931, com o colapso do padrão ouro, ocorre o fim do domínio
britânico sobre o capital financeiro mundial. As altas finanças cruzam o
Atlântico e se instalam em
Wall Street; inicia o reinado do dólar.