sábado, 16 de julho de 2011

Rumo à Estação Finlândia (Edmund Wilson) - Resumo Comentado

           
Relato cativante sobre os homens e a sociedade que assistem o surgimento das idéias socialistas.

Obs.: as indicações de páginas (em parênteses) são da edição de 1986, Editora Schwarcz/ Cia. Das Letras, São Paulo – SP)

Giovani Vico, italiano, propõe em 1725 um modelo de estudo da história baseado na compreensão da dinâmica social; é a história concebida como ciência.
Jules Michelet, baseado nas idéias de Vico, escreveu uma História da Idade Média; trabalhando como funcionário dos Arquivos, fez uma intensa pesquisa documental, coisa incomum para as obras da época; rompe com o romantismo na medida em que busca explicar estruturalmente os acontecimentos; faz uma análise anacrônica ao explicar a Idade Média como preparação para a Renascença (17). Sua grande obra é História da Revolução Francesa; nela ressalta as contradições fundamentais: solidariedade de classe x dever patriótico; individualismo x solidariedade (23).
Aquele que sabe ser pobre sabe tudo. (J. Michelet)
Características do método de Michelet (24):
  • Estuda as inter-relações das diversas formas de atividade humana.
  • Procura ver o passado como presente, sem horizonte definido; esforço para eliminar o anacronismo.
  • Ênfase no grupo, não nos líderes. O ator principal é o povo.
  • Sua narrativa alterna o close-up sobre um indivíuo para o movimento do grupo local e daí para a visão analítica do todo (25).
            Quando se é alguém, por que querer ser algo ? (Flaubert)(42)
            Edmund Wilson ilustra o refluxo revolucionário após a ascensão de Napoleão III (1851) citando Renan e Taine como exemplos do desinteresse pela revolução (52). Anatole France comemorou a derrota da Comuna, embora vá defender Dreyfuss em 1895 (61). Os três escrevem sobre a Revolução Francesa dentro do espírito romântico; Anatole vai se definir mais tarde como socialista.
            De Michelet a Anatole France o autor faz uma análise do ideário da revolução burguesa, de seu apogeu (1830), declínio e dissolução (70).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Carne e Pedra (Richard Sennet)

     O autor analisa o rápido processo de urbanização que ocorre na segunda metade do século XIX; na Inglaterra há um quadro social em que 10% da população detem 90% da riqueza, e metade da população mais pobre tem apenas 3% da riqueza nacional; e ele se pergunta: o que explica a falta de uma revolução ?
     Ele considera que um dos fatores é o espírito individualista que surge nas cidades: "Cada pessoa age como se fosse estranha À sorte dos demais. Nas transações que estabelece, mistura-se aos seus concidadãos, mas não os vê; toca-os, mas não os sente; existe apenas em si mesmo e somente para si mesmo. Assim, sua mente guarda um senso familiar, não um senso social". (Tocqueville)
     O individualismo traz a perda da noção de destino e compartilhado e apatia dos sentidos; são as características da modernidade: velocidade e individualismo.
     As cidades do século XIX são planejadas com ênfase para a livre circulação de multidões e mercadorias (largas avenidas para agilizar o transito) e buscam desencorajar a aglomeração de grupos organizados (praças concebidas como pulmões; espaço para vegetação dificulta a aglomeração).
     Na França de Napoleão III o barão Haussmann faz uma remodelação urbana; largas avenidas fracionam os bairros populares para facilitar o acesso de carroças militares; o centro urbano deixa de ser um local de moradia. O traçado das vias principais prioriza o transporte de mercadorias; o acesso dos bairros pobres ao centro é dificultado.
     O metrô opera uma revolução em Londres: as classes populares, antes precariamente instaladas em guetos próximos da área central, passam a morar em melhores condições em bairros mais afastados; os pobres agora só freqüentam o centro para trabalhar e fazer compras.
 CONFORTO
     O autor vê duas motivações na tecnologia do conforto: a busca de repouso para se recuperar da crescente fadiga produzida pelo trabalho industrial; e a individualização do repouso (móveis que outrora destinavam-se a atividades coletivas, como bancos e cadeiras, cedem lugar a móveis para repouso individual, como a poltrona). O ato de defecar, coletivo até o século XVIII (a latrina era conhecida como parlatório) torna-se individual e "confortável". Os transportes ferroviários, com bancos que deixavam as pessoas de frente umas para as outras, foram substituídos por bancos de sentido único.
     Há uma mudança social: o contato coletivo dá lugar ao resguardo da privacidade e ao silêncio.
     Os cafés, outrora espaços de intensa socialização e debate, dá lugar aos novos bulevares onde as mesas são postas na calçada e uma clientela de classe média consome tranquilamente seu café em silêncio.
 ANÁLISE
     O autor escreveu este capítulo baseando-se na obra Howards End (1910), de E. M. Forster, um romance que analisa as contradições entre cidade e o campo a partir da cidade de Londres durante o reinado de Eduardo VII.
     O destaque é para o triunfo do individualismo proporcionado pelo novo ambiente urbano ("juntar, apenas...") retratando uma comunidade que é coesa porque seus habitantes não mantém relações pessoais; vidas isoladas e mutuamente indiferentes garantem um equilíbrio social, porem infeliz.
     No romance as crises familiares são resolvidas num ambiente rural (a propriedade que dá nome à obra); a transformação do ambiente retrata o desenraizamento necessário para que surjam o colorido da vida e a percepção do outro.

Democratização de cima para baixo: isso funciona ?

          Em trabalho de pesquisa feito sobre administração escolar, tomando por base algumas escolas públicas estaduais da região dos DICs, em Campinas, chamou a atenção de nosso grupo a questão de democratização do ensino.
          Há um paradoxo aparente quando estudamos a legislação e comparamos com a realidade do dia-a-dia escolar: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20/12/1996) é uma legislação moderna e democrática, baseada na igualdade de condições de acesso, liberdade de ensino, pluralismo de idéias, respeito à liberdade e tolerância e na gestão democrática do ensino público (art. 3º.).
          A gestão democrática é garantida por meio de vários mecanismos:
• Acesso à docência e às funções de gestão exclusivamente por meio de concurso público e progressão baseada em avaliação de desempenho (art. 67).
• Criação de órgãos eletivos que permitam aos docentes e à comunidade participar da elaboração da proposta pedagógica e da própria administração escolar (art. 12º., alínea VI, e art. 14º.).
• Concessão de autonomia pedagógica, administrativa e financeira às unidades escolares (art. 15º.).
          O Conselho Escolar, colegiado que reúne representantes da direção, funcionários, professores, pais de alunos e alunos, estabelecido como meta pelo Plano Nacional de Educação (lei 10.172/2001), é a máxima instância deliberativa da unidade escolar. Há ainda a APM (Associação de Pais e Mestres) e os estudantes possuem liberdade para se organizarem politicamente em Grêmios Estudantis.
          Na prática, porém, verifica-se que os canais institucionais abertos não são utilizados, ou são utilizados raramente; a gestão democrática garantida pela legislação esbarra num obstáculo gigante, que é a cultura anti-política do povo brasileiro, descrita por Paranhos; a idéia popular de que política é algo sujo e não produz mudanças de fato leva à perda do “conceito de política como espaço de criação individual e coletiva, múltiplo, contraditório, conflituoso, aberto, no cotidiano da existência humana, à expressão dos mais diferentes desejos e interesses” (PARANHOS, p. 53).
          O brasileiro carece de formação para exercer sua cidadania de forma crítica e participativa; apenas a organização da sociedade permite “dirigir ou controlar aqueles que dirigem”, como Mario Manacorda define cidadania (LIBANEO p. 119).
          A escola é vítima da mesma apatia que imobiliza o movimento sindical e até a mesmo a democracia partidária; ao afastar-se dos canais legítimos de debate e decisão a população está inconscientemente permitindo que sejam apropriados por pequenos grupos agindo em interesse próprio.
          Nas escolas pesquisadas verificamos uma sub-utilização dos canais democráticos; os colegiados atuam pro-forma, basicamente referendando as iniciativas da direção. O debate via de regra é restrito a assuntos corriqueiros, como as festividades que a escola promove ao longo do ano e as despesas com manutenção do prédio escolar. Isso fica evidente sobretudo em relação ao grêmio estudantil: o colegiado não possui espaço próprio para funcionar; a alegação de um dos diretores (“não temos espaço disponível para isso”) indica claramente o grau de importância atribuído à atuação política dos estudantes; e porfim a própria falta de consciência dos estudantes em relação ao órgão: o grêmio é entendido como uma espécie de auxiliar para organização de festas; chegou a realizar uma mobilização para arrecadar roupas para vítimas locais de uma enchente, mas não ocupa seu espaço político, não tem atuação reivindicatória. Um dos diretores atribui isso a uma conjuntura negativa: os alunos mais novos não têm interesse no assunto; os estudantes do noturno acabam assumindo o grêmio, mas o próprio fato de trabalharem de dia limita sua capacidade de atuação.
          O sr. Adilson, com 20 anos de serviços na rede estadual e 9 como diretor da escola, é um quadro vivo da situação: é um homem que ama profundamente a unidade escolar e seus alunos, mas que está evidentemente cansado com o quadro massacrante que enfrenta todo dia. Ele cita um dado fundamental: quando iniciou seus trabalhos nesta escola cerca de 10% dos alunos apresentavam um quadro que ele define como abandono psico-social; eram crianças oriundas de famílias desestruturadas devido a problemas com drogas, álcool, criminalidade e problemas financeiros; crianças expostas a uma realidade de grande violência. Hoje ele acredita que quase 50% dos alunos da escola vivem alguma forma de abandono mencionada.
          Tudo isso é usado como argumento para reforçar o discurso neo-liberal; não estamos vivendo uma crise de democratização, mas uma crise gerencial (GENTILI, p. 17). Ao invés de procurarmos criar uma cultura de diálogo entre comunidade e escola, para que possam se compreender e ajudar mutuamente, gastamos cada vez mais dinheiro público com foco voltado à “eficiência”: terceirização de serviços (no caso das escolas pesquisadas, a merenda escolar e o funcionamento da sala de informática) e recursos tecnológicos (uma delas possui, por exemplo, circuito fechado de TV para monitoramento de segurança).
Nessas condições fica difícil pensar em cidadania ou em qualidade de ensino, pois falta o básico, que são noções primárias de moral e convivência; o diretor desabafa: “qualidade de ensino é uma batalha que não se pode vencer”. Sua fala nos remete diretamente ao cerne da questão: a rede pública vive sobretudo uma crise de fé, de acreditar no trabalho que precisa ser feito.

Bibliografia
LIBANEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização; Cortez Editora, 5a. ed.
PARANHOS, Adalberto. Política e Cotidiano: as mil e uma faces do poder; in Introdução às ciências sociais, 10a. ed., Campinas-SP, Papirus, 2001.
GENTILI, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu da. Escola S.A., CNTE.
LDB 96, disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf; consultado em 01/06/2011.

Revolução Industrial : breve sumário de causas e consequências

As Causas

David Landes traça um interessante quadro das condições que permitem o desenvolvimento da Revolução Industrial na Inglaterra a partir de 1750: é um processo articulado que inclui transformações políticas, sociais e econômicas.
A mecanização dos processos de produção, normalmente considerada como o ponto de partida do processo, na verdade permaneceu em compasso de espera até que surgissem as condições estruturais para a efetiva operação de um modelo fabril; o processo de fabricação da lã, por exemplo, já é parcialmente mecanizado desde o século XI, com martelos movidos a água; o tear mecânico data de 1598 (LANDES, 86).
Há na verdade uma somatória de condições político-econômicas favoráveis surgidas ainda na fase pré-industrial (baseada em oficinas artesanais independentes) que vai estimular a mecanização:

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Maldita Guerra, de Doratioto: um debate historiográfico


            O autor está analisando as causas do conflito (Guerra do Paraguai); ao apresentar um novo modelo explicativo, ele contesta os discursos historiográficos vigentes:
 O discurso do vencedor: é a justificativa oficial da entrada do Brasil na guerra; o Império estaria se defendendo da captura traiçoeira de um navio brasileiro no rio Paraguai e a invasão de seu território sem declaração de guerra; o Brasil atua em legítima defesa, e em seguida invade o Paraguai para destituir o tirano que escraviza o povo paraguaio e ameaça a paz na região. Fortalece o mito do “gigante pacífico” e está impregnado de dualidades no estilo herói x vilão, civilização x barbárie. É um discurso carregado de apologia à coragem dos heróis nacionais que legitima o nacionalismo monárquico e que será apropriado mais tarde pelos governos militares.
 O revisionismo: é a contestação da explicação oficial, sempre com motivação política. A primeira grande contestação à versão oficial é feita por autores positivistas no início da República. Há o receio de uma reação monárquica e a preocupação em consolidar o novo regime. O Brasil passa a ser apresentado como responsável pelo conflito.
            O momento mais importante do revisionismo ocorre na década de 1970, com o livro Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai, de Júlio José Chiavenatto; no novo modelo explicativo o conflito é visto como parte do processo de expansão do imperialismo inglês pelo mundo. O interesse inglês pelo estuário do Prata é evidente, e a Inglaterra tentou controlar militarmente a região no início do século XIX. Para Chiavenatto os ingleses estariam incomodados com o modelo de economia autônoma que os paraguaios estariam construindo, e teriam estimulado Argentina e Brasil (apresentados então como satélites da potência) a explorar as tensões regionais existentes e atacar o Paraguai. Lopez deixa de ser um tirano cruel para tornar-se um herói antiimperialista.

A cultura material no estudo das sociedades antigas. Artigo de Ulpiano T. Bezerra de Meneses na Revista de História n. 115; USP, 1983; breve resumo

           Sinopse de artigo do prof. Ulpiano T. Bezerra de Meneses [1]

            O objetivo do autor é refletir sobre o potencial e a especificidade do estudo da cultura material, e demonstrar como algumas abordagens tradicionais sobre o assunto limitam o campo de estudo, não só na História Antiga como em todos os domínios da História.
            Ele inicia explicando as três posturas usuais que encontra, usando como referência principal a bibliografia recente da História de Grécia e Roma:

  • Marginalização da cultura material: a ênfase está nas estruturas mentais e nas fontes literárias, há um desprezo pelas realidades físicas.
  • Uso instrumental da cultura material: a mais freqüente delas, onde a informação arqueológica serve de controle ou complementação da documentação textual; serve basicamente para datar ou confirmar/negar o que está escrito, no estilo de livros como E a Bíblia tinha razão; arqueologia vista como disciplina auxiliar da história.
  • Uso didático da cultura material: o universo material serve apenas para ilustrar as afirmações do texto; usualmente empregado em manuais de história.
          O autor considera que estas posturas são fruto de uma série de alegações equivocadas sobre a natureza da documentação material:

  • As coisas materiais são uma parcela reduzida dos fenômenos históricos, não expressam a totalidade do universo social.
  • Além de parcial, a documentação material é aleatória, produto de filtros culturais (rejeito, abandono, perda casual) e naturais (processos biológicos, geológicos).
  • Há um fosso intransponível entre o sítio arqueológico e o sistema cultural que o produziu; o que mais caracteriza o depósito arqueológico é o lixo, o que foi excluído do ciclo vivo da atividade cultural.
             Rebatendo essas alegações, o autor cita estudos que demonstram como os objetos podem transcender a esfera de satisfação de necessidades e se inserir na significação de valores sociais, constituindo e operando um sistema de comunicação; como é o caso do vestuário, que além de informar sobre técnicas de manejo de materiais e situação econômica possui toda uma significação que informa sobre relações sociais (sexo, idade, profissão, status, etc). Além disso, os textos que chegaram até nós são tão fragmentários e aleatórios quanto a cultura material.
            A cultura material, como as fontes literárias, não é auto-explicativa; ambos necessitam de análises por inferência e abstração.
            E finaliza destacando o potencial da documentação física: além de informar sobre sua própria materialidade (matéria prima e seu processamento, tecnologia, morfologia, funções), fornece em grau considerável informação de natureza relacional, remetendo às formas de organização da sociedade que a produziu e consumiu. Ela é particularmente vantajosa em relação aos documentos literários quando informa sobre o universo quotidiano de uma sociedade; e como, ao considerá-la como produto e vetor de relações sociais, ela auxilia não só a determinar formas de organização social, mas também sua estrutura, funcionamento e comportamento ao longo do tempo, e suas mudanças; estudos como os de análise espacial dão suporte fundamental para compreender atividades, relações e organização; estudos demográficos (sobretudo a partir de restos ósseos ou restos alimentares) permitem avaliar a escala de fenômenos sociais; os trabalhos em contextos funerários abrem um vasto leque de informação sobre status, hierarquias, diferenciação social, etc. Essa capacidade de estudar sistemas sócio-culturais, no entendimento do autor, confere à Arqueologia seu status próprio como ciência, o de História da cultura material.

            Muitas perguntas nunca serão respondidas. Fica óbvio, porém, que outras muitas não foram até hoje respondidas por que nunca foram propostas.


[1] In Revista de História, no. 115, julho/dezembro de 1983; São Paulo: USP.