sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sinopse - "A Escravidão na África: uma história de suas transformações", de Paul E. Lovejoy

     
   Os parenteses indicam o número da página; a referência é a edição de 2002 da Civilização Brasileira, Rio de Janeiro RJ.

    Lovejoy admite uma relação causal entre o tráfico atlântico e o subdesenvolvimento africano (20); seu foco, no entanto, é a interação entre as forças locais e os elementos externos, e como essas relações afetaram o curso da história. O assunto é controverso, vai desde os autores que consideram que o tráfico de escravos era excessivamente marginal para afetar de forma significativa a economia africana (Eltis) até autores que consideram que a escravidão modifica completamente o quadro econômico (Manning); Inikori considera que não havia escravidão propriamente dita na África, enquanto Thornton busca demonstrar que o tráfico atlântico se desenvolve sobre um sistema já previamente disponível. Analisa ainda a especificidade da escravidão na África, transformada em modo de produção, articulando mecanismo de escravização, tráfico de escravos e utilização dos mesmos (22).

    A escravidão na África tem três etapas de desenvolvimento: de 1350 a 1600 (onde prevalece o tráfico transaariano), 1600 a 1800 (tráfico atlântico) e 1800 a 1900 (ocupação imperialista da África); nesse processo o escravismo se torna fundamental para a economia política africana, ocupando uma área geográfica cada vez maior e transformando completamente a ordem social, econômica e política, sempre sob a pressão do comércio exterior (29).

    Definição: forma de exploração onde o escravo é concebido como propriedade e como tal desprovido de herança social; o senhor dispõe livremente de sua força de trabalho e sua sexualidade e do direito de coerção; como propriedade podia ser comprado e vendido, com eventuais restrições da moral religiosa à separação de famílias, sobretudo crianças (30). A escravidão é via de regra aceitável quando imposta ao estrangeiro, ao alienígena, ao diferente; seja por não pertencer ao mesmo grupo religioso, seja por pertencer a outra raça ou falar outro idioma (32). Além da capacidade de trabalho (fator econômico), a posse sexual é outro elemento significativo na escravidão: daí que os escravos mais caros são eunucos (castrados) e mulheres de beleza incomum (35).
    A escravidão podia ocorrer incidentalmente numa determinada sociedade, sendo demograficamente pouco significativa e de pouca monta, não tendo influência sobre a estrutura da sociedade ou o funcionamento da economia. Em outras sociedades ela é institucionalizada, desempenha um papel essencial na economia e afeta a organização da própria sociedade, que se organiza para oferecer os escravos que atendam à demanda, por meio de comércio ou escravização (39). É o modo de produção escravista, onde a sociedade organiza um sistema integrado de escravização, tráfico de escravos e utilização interna dos cativos.
    A África não possui sociedades baseadas na escravidão antes da presença árabe-européia; as estruturas sociais são baseadas na etnia e no parentesco, com poder político baseado na gerontocracia (os mais velhos controlam o acesso às mulheres); a economia, de pequena escala (doméstica) era organizada por faixa etária e sexo (não há classes sociais); a escravidão é apenas uma de várias relações de dependência, como o penhor (escravidão temporária para saldar dívidas, ou como garantia), a limitação de direitos aos mais jovens, o concubinato e o casamento (44). O casamento com escravas era muito comum e mecanismo de assimilação, integração às relações familiares; o comércio de escravos é eventual, seu destino natural é a assimilação na família de seus proprietários. Nessas sociedades a escravidão atendia também requisitos religiosos, na forma de oferecer vítimas para sacrifícios rituais (46).
    O mundo islâmico é formado igualmente por sociedades que enfatizam o parentesco e a dependência pessoal; o uso do escravo é apenas adaptado à nova religião e à complexidade das novas estruturas estatais, o que define novos usos para o escravo, como componente de exércitos ou da burocracia estatal. A assimilação segue sendo grande, embora haja uma estrutura organizada que permite compra e venda de escravos numa vasta rede internacional (47). Apesar de seu uso em grande escala em diferentes atividades econômicas, o escravo não é a principal relação de produção, o que faz o autor entender que não havia uma sociedade escravista institucionalizada entre os árabes (50).
    O comércio transatlântico é diferente; envolve um assombroso deslocamento de populações: de 400.000 escravos no período 1450-1600 para 3.460.000 em 1801-1900, totalizando 11.313.000 escravos entre 1450 e 1900! (51). A escravidão deixa de ser uma característica marginal da sociedade e torna-se uma instituição de grande importância, com a adoção de uma ideologia européia que incentiva o aumento da escala de produção de bens; a antiga escravidão baseada no parentesco e linhagem cede lugar ao escravismo em grande escala nas plantations (53)

    Ralph Austen estima o tráfico de escravos da África para o mundo árabe no período 650-1600: rotas transaarianas (4,8 milhão) e Mar Vermelho / África Oriental (2,4 milhão); havia seis rotas principais pelo Saara; partindo do Marrocos, Líbia e Egito, faziam contato com os impérios do Mali e Songai, o Benim, Bornu (Lago Chade), Darfur e Sudão (62). As nações africanas eram autônomas; a adoção de idéias e práticas islâmicas ocorreu gradualmente durante muitos séculos e sujeita à interpretação do contexto local (64). A instabilidade das nações africanas tem algumas causas estruturais: baseados em cidades fortificadas, sua capacidade de escravização diminui à medida que as regiões vizinhas se exaurem ou suas populações fogem para áreas mais distantes; a procura por escravos em áreas distantes cria inevitavelmente conflitos com outros estados em busca de escravos; embora estes estados tivessem vantagens militares contra seus vizinhos do sul, por disporem de cavalos para guerrear, eram indefesos aos ataques de nômades do deserto com tropas de camelos; fatores ecológicos eram ainda determinantes: secas periódicas afetavam severamente a savana setentrional, forçando migrações para o sul (65). Todos esses fatores vão determinar os ciclos históricos de expansão dos impérios, decadência e desmoronamento.
    A entrada dos portugueses no comércio escravista africano inicialmente reproduz o modelo do comércio árabe transaariano: os escravos enviados à Portugal destinam-se ao uso doméstico, como na maioria dos paises islâmicos; em seguida vinham os escravos destinados às culturas de cana de açúcar no Mediterrâneo (também atendidas pelo Saara) e em seguida em Madeira, Canárias e Cabo Verde; os portugueses atuavam como intermediários no comércio local de escravos, comprando e revendendo na própria África; finalmente, os próprios produtos que os lusitanos oferecem são similares aos ofertados pelas caravanas, sobretudo cavalos (74). Já existe um uso extensivo de escravos em grandes propriedades agrícolas em Songai no século XVI, ao longo do rio Níger, comparadas por alguns historiadores às plantantions americanas (70), bem como um grande demanda por escravos para trabalho nas minas de ouro e de sal.
    O Reino do Congo não participava do tráfico pelo Saara; são os portugueses que vão inaugurar ali o tráfico de escravos em larga escala; a venda de escravos vai ser monopólio do rei congolês; o esforço para modernizar a nação seguindo o modelo europeu vai levar à formação de grandes propriedades agrícolas com trabalho escravo, produzindo principalmente painço para consumo da nobreza local (81). Em outras palavras, o uso do escravo nas nações costeiras da África foi sendo modificado pelo contato com os europeus; o papel marginal do escravo na sociedade, produto incidental dos conflitos entre os grupos familiares, cedeu lugar a um comércio regular de exportação, de troca de seres humanos por mercadorias importadas (85).
    A exportação de escravos vai afetar as sociedades africanas com intensidade freqüente a partir de 1600; os métodos de escravização são modificados e uma infra-estrutura comercial é desenvolvida para atender a demanda, ao mesmo tempo em que aumenta a utilização interna de escravos (89). As rotas árabes (Saara e Mar Vermelho) ainda respondem pela maior parte do comércio de escravos (cerca de 70%); o tráfico atlântico vai saltar de 30% em 1500-1600 (328.000 escravos) para 60% em 1600-1700 (1.348.000) e 82% em 1700-1800 (seis milhões) (90). Enquanto os portugueses controlam o tráfico nos séculos XVI e XVII, os ingleses serão responsáveis por quase metade de todo tráfico atlântico no século XVIII (92). A enorme demanda vai fazer o preço médio dos escravos quintuplicar no período de 1663 a 1773, o que vai produzir um efeito cascata: o aumento do preço vai funcionar como estimulante adicional para o aumento do tráfico de escravos (97). A região de Angola vai ser a maior fornecedora de escravos do tráfico atlântico; entre 1600 e 1800 ela vai responder por 30% de todos os escravos africanos exportados (98). No período 1600-1800 cerca de 10 milhões de escravos foram exportados (3 milhões pelas vias árabes, 7 pelo Atlântico), o que produziu impactos na demografia do continente; Thornton revela que na Angola de 1770 havia mais de 2 mulheres para cada homem (114). O aumento espantoso nas exportações de escravos no período pressupõe o aumento da violência política; o período vai assistir à fragmentação dos grandes estados centralizados africanos. Não só a presença européia, mas a expansão marroquina sobre Songai e a jihad árabe contra a Etiópia são parte deste contexto (120). As nações africanas, como Oió (1650) e Axante (1700), são muito mais fracas que suas antecessoras (121). Esse período assiste uma série de novas dinâmicas: as guerras constantes e a fragmentação política vão fazer o soldado se projetar socialmente como figura central; os principais avanços tecnológicos ocorrem na forma de guerrear e na organização militar; ao contrário das guerras européias, os conflitos africanos não dão origem a grandes estados, mas à escravização de grandes contigentes populacionais; ao mesmo tempo, a adoção de culturas vindas da América e a formação de grandes propriedades agrícolas aumentam a produção de alimentos e permitem o aumento da população, o que mantém os níveis populacionais a despeito do tráfico cada vez mais intenso. A partir do século XVII a região do antigo império islâmico no norte da África também vai viver um proceso de fragmentação política e guerras constantes. A combinação de guerras constantes e secas periódicas impediam a estabilidade política e o crescimento econômico e facilitavam o trabalho do tráfico (122); desde o século XVI a história tem registros de gigantescas secas durando 5, 7 e até 20 anos em regiões como o Lago Chade, Níger, Sudão e Senegambia; essas secas produziam grandes movimentações de populações que ficavam mais vulneráveis à escravização. Entre os séculos XVII e XVIII os estados muçulmanos desenvolvem ações militares contra seus vizinhos do sul com o objetivo de capturar escravos; Bornu torna-se um califado aliado do Império Otomano, e Senar destrói os estados cristãos no vale superior do Nilo; os novos estados de Darfur e Uadai avançam ente o lago Chade e o Nilo; a captura de escravos é a segunda maior fonte de renda do sultão de Darfur. As guerras constantes dentro do mundo islâmico também vão levar à escravização em massa de populações muçulmanas, atividade condenada pelas leis corânicas e realizada eventualmente até então (128)
    A desintegração do reino do Congo na segunda metade do XVII é responsável pelo aumento expressivo da escravização na África Centro-Oriental; a partir daí expedições portuguesas passaram a prear escravos no interior, superados apenas pela nobreza dos imbangalas, que passaram a viver do tráfico (129). O surgimento dos “senhores da guerra”, líderes tribais com exércitos próprios e autônomos, que viviam da prática de expedições de saque e captura de escravos para revendê-los aos europeus vai progressivamente desestabilizar toda a região até a bacia do Zambeze, no final do XVII, onde também estão se expandindo as rotas de tráfico europeu do Indico (132).
    A expansão de Oió, na região da Senegâmbia, a partir de 1650, vai levar à escravização em massa de populações iorubas e hauçás. Axante vai ser o estado dominante da região a partir de 1700, organizado numa federação de senhores da guerra apoiados numa poderosa classe sacerdotal.
    Em resumo, a dinâmica da captura de escravos nos séculos XVII e XVIII segue o seguinte padrão: começa com guerras de capturas promovidas por estados centralizados; a busca por escravos em regiões cada vez mais distantes produz conflitos entre os próprios estados centralizados; os conflitos freqüentes vão enfraquecer os estados e promover a fragmentação; a partir daí populações até então protegidas vão ser escravizadas em massa pelos senhores da guerra. Finalmente, como se vê entre os axantes, medidas punitivas contra criminosos, bruxaria, diferenças políticas ou sequestros vão fornecer escravos no interior das próprias sociedades (141), o que vai produzir uma imensa erosão dos costumes e aumento da insegurança (142). O relato de um ibo do rio Níger, Olaudah Equiano, de 1756, dá noção da situação: filho de um traficante de escravos especializado em capturar criminosos de sua própria tribo, vai ser ele próprio seqüestrado e vendido, primeiro a um ferreiro local e depois aos europeus (144). No mundo árabe isso vai criar um novo comércio lucrativo: o seqüestro de filhos da nobreza e sua devolução mediante resgate (145).
    Ao mesmo tempo em que há uma progressiva fragmentação política do continente, as imensas redes comerciais que atendem o mercado externo vão se estruturando cada vez mais e se integrando ao sistema de mercado, envolvendo os órgãos governamentais, os comerciantes estrangeiros e os senhores locais. O tráfico é normalmente monopólio estatal; apenas a fragmentação vai transferir a iniciativa da captura para grupos de traficantes e comerciantes, muitas vezes a nobreza local, o que vai gerar uma imensa concorrência; a captura praticada diretamente por europeus é rara, sendo mais comum em Angola por parte dos portugueses (157).
    Salvo nas regiões produtoras de ouro e sal, o escravo é o principal item de exportação; os principais produtos africanos são sal, têxteis, tabaco, gado, peixe seco, nozes de cola, jóias e metais preciosos (167). Dos árabes e europeus os africanos compravam têxteis, cobre, cavalos e caurins; do mercado atlântico vinham também moedas de prata, barras de ferro, bronze e cobre, além de armas de fogo (cerca de 180.000 armas foram importadas por ano na costa ocidental no século XVIII, p. 171; só a Inglaterra vendeu para nações africanas 22.000 toneladas de pólvora entre 1750 e 1807). Então, nessa ordem, as importações africanas demandavam em primeiro lugar materiais para uso como moedas (prata, ferro, caurins) em trocas comerciais; em segundo vinham as despesas militares (armas de fogo, espadas, pólvora e chumbo para confecção de balas) e em terceiro produtos de luxo para uso das cortes reais, além de tabaco e bebidas.
    Relatos de padres capuchinhos no Congo dão conta de que em 1648 quase metade da população do reino era constituída de escravos, em torno de 100.000 pessoas (196). Á medida que os europeus começam a se estabelecer na África, construindo fortes e cidades, há um grande fluxo de escravos para trabalhar nestes enclaves europeus (206); em alguns lugares, como no Zambeze, escravos foram utilizados pelos europeus como soldados (208). Em 1800 a África está geograficamente dividida em três modelos de escravidão: ao norte e na costa índica a região islâmica; na Guiné e no Zambeze as novas sociedades escravocratas estabelecidas pelo comércio europeu; e no interior as zonas onde a escravidão ainda é familiar e de pouca monta (211).
    O movimento abolicionista começa a atuar nas últimas décadas do XVIII; em 1807 a Inglaterra proíbe que seus súditos participem do tráfico de escravos, e a partir de 1840 passa a haver um efetivo bloqueio naval das rotas atlânticas (216); foi um processo lento de pressão diplomática, e o primeiro impacto foi negativo: as restrições ao tráfico de escravo fizeram aumentar o uso interno de escravos na própria África. Ainda assim foram exportados 5,6 milhões de escravos da África no século XIX, sendo 3,4 milhões pelo Atlântico; as rotas árabes transportaram 2,2 milhões de escravos. O preço do escravo começou a cair lentamente a partir do bloqueio de 1840 (219); o tráfico atlântico diminuiu consideravelmente em 1850 e praticamente cessou a partir de 1860, com pouco mais de 50.000 escravos transportados. Os comerciantes preferiam agora utilizar o escravo na própria África para produzir produtos que podiam ser legalmente exportados; em Biafra, por exemplo, a produção de azeite de dendê saltou de 3.000 toneladas em 1819 para 12.800 em 1839 (225). A pressão inglesa só vai afetar as rotas transaarianas a partir de 1870; o Império Otomano e a Etiópia proibiram o tráfico de escravos em 1850 (233). Porfim, na África Oriental o tráfico cessa a partir de 1896 (235).
    Como foi dito, houve em contrapartida um aumento do mercado interno de escravos; uma onda de revoltas fundamentalistas na África muçulmana, entre 1840 e 1880, como a revolta de Madi, no Sudão, gerou um grande volume de escravização de populações não-muçulmanas devido à expansão de regimes fundamentalistas por novos territórios do sul (239); a própria Inglaterra, que combate o tráfico, é tolerante com a escravidão em seus territórios africanos; em Serra Leoa, por exemplo, só em 1928 os escravos são libertados (251). Até mesmo na Libéria havia escravos africanos. O crescimento das plantantions criou situações em que até mesmo escravos eram proprietários de outros escravos (273); o uso doméstico de escravos também aumentou. O uso extensivo de escravos nas grandes propriedades agrícolas exportadoras fortaleceu o modo de produção escravista internamente, agora estruturalmente adaptado para abastecer um mercado capitalista (278). A abolição de escravos vai ser um dos principais motivos da imigração dos bôeres para o interior da África, entre 1834 e 1838 (345).
    A posição européia frente à escravidão no século XIX é ambígua; os mais ardentes abolicionistas são missionários religiosos; a estrutura estatal vai lentamente se adequando às leis abolicionistas, e os comerciantes tentam a todo custo burlar as restrições ao tráfico, passando a explorar o escravo na própria África. A partir de 1850 as revoltas de escravos tornam-se mais freqüentes e ajudam a desestabilizar o sistema escravista; ingleses e franceses passaram a empregar escravos fugidos em seus exércitos coloniais (371), e missões religiosas passaram a abrigar fugitivos em suas missões. Movimentos abolicionistas provocaram guerras civis, como na região do delta do Níger em 1867; a depressão européia de 1880-90 e a queda dos preços dos produtos agrícolas africanos aumentaram o clima de rebelião entre os escravos das plantantions (374); além da pressão européia, a pressão interna pelo fim da escravidão foi um importante motor do processo. Evasões de escravos no Sudão francês tornaram-se um êxodo de dezenas de milhares de pessoas em fins do XIX (390). O abolicionismo foi também utilizado o pelos ingleses como desculpa para realizar a ocupação militar de territórios na África central. O fim ao comércio interestatal de escravos no continente africano produziu finalmente o colapso do escravismo como modo de produção, por volta de 1930, e sua substituição por trabalho assalariado (408), dentro do processo em que firmas internacionais vão assumindo o controle da exploração dos recursos nacionais das então colônias européias.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Sinopse - A Manilha e o Libambo; a África e a escravidão de 1500 a 1700, de Alberto da Costa e Silva



            Manilha é um bracelete de metal; libambo é uma cadeia de ferro usada para prender escravos pelo pescoço. Os principais tópicos possuem indicação de página; a referência é da edição de 2002 da Editora Nova Fronteira.

            A primeira notícia sobre escravos na África é de uma estela egípcia do faraó Sneferu (4ª. Dinastia, 2.680 aC), anunciando a captura de 7.000 escravos durante uma expedição militar à Núbia. A escravidão é muito comum no mundo antigo, e a base da economia; Estrabão fala da conceituada classe dos comerciantes de escravos (21). Na Grécia clássica, numa população de 315.000 pessoas, cerca de 115.000 seriam escravos; Atenas, então com 155.000 habitantes, tinha 70.000 escravos (20). Escravos vinham de toda parte, inclusive da África; em dois episódios da Odisséia o herói Ulisses vai ao Egito para capturar mulheres e crianças (21); um autor anônimo do séc. I dC fala da escravidão em seu texto “Périplo do mar Eritreu”; da mesma forma Cosmas Indicopleustes, no relato de sua visita à Etiópia (séc. VI dC); há relatos de núbios servindo no exército persa de Xerxes (25). Mosaicos e esculturas romanas representam africanos exercendo atividades como gladiadores, artistas de circo e criados pessoais. Também na Antiguidade barcos indianos faziam transporte de escravos trazidos da África; no século VI há relatos de escravos negros na Indonésia e na China.
            Esse comércio é ainda de pequenas dimensões na África; é a rápida expansão muçulmana do séc. VII que vai mudar esse cenário. Os africanos eram inicialmente minoria: os escravos vinham em sua maioria da Europa e Ásia Menor; havia centros de produção de eunucos (escravos castrados) nos Bálcãs e na Armênia (34); a partir da ocupação do Egito e as guerras com os reinos cristãos da Núbia a situação começa a se alterar. No século VIII toda a costa norte da África tornou-se muçulmana; imensas caravanas cruzam o Saara em busca do ouro de Gana; é o inicio do tráfico transaariano de escravos (39). Era então comum a aquisição de escravos para integrarem exércitos (42); a captura ocorria durante guerras tribais ou através de emboscadas a pequenos vilarejos (44). Escravos oriundos da Somália e Moçambique (zanjes, como eram conhecidos) eram usados em grande quantidade na agricultura da Mesopotâmia a partir do séc. VII; os zanjes vão realizar grandes rebeliões; a de 869 dC vai durar 15 anos e se tornar uma guerra civil; seu exército vai chegar a reunir 50.000 homens (46). Ralph A. Austen calcula em 1,7 milhão os escravos transportados pelas rotas transaarianas entre 650 e 1100 dC (53).
            É o árabe que vai elaborar toda uma ideologia sobre a inferioridade da raça negra e sua condição naturalmente subumana (59); o negro é discriminado inclusive pelos escravos brancos. O lento processo de assimilação social a partir da alforria também é mais difícil para o negro. Escravos negros são exibidos como símbolo de status no Cantão (séc. XI), devido ao seu alto preço (60).  Entre os séculos XI e XV já há um grande comercio de escravos no Mar Vermelho; Ralph Austen calcula em torno de 3,5 a 4 milhões de escravos transportados por navios no período (62); as rotas transaarianas, terrestres, teriam um movimento maior. A introdução de cavalos árabes no Sudão (séc. XIII), que revolucionou a forma de guerrear na região, foi um importante estímulo para o tráfico; os preciosos cavalos eram adquiridos com escravos (64); em contrapartida, as cortes reais do Sudão e Mali, entre os séculos XIII e XV, exibiam escravos brancos como símbolo de poder e requinte (66). A escravidão existia entre os africanos, mas com uma grande capacidade de absorcionismo, de reinserção social e assimilação dos descendentes; por conta disso alguns autores a consideram mais branda que o tráfico atlântico (82). A África Ocidental conheceu a escravidão em grande escala praticada em grandes propriedades agrícolas destinadas à produção para exportação, como arroz e milhete; a prática era comum nos reinos mais estruturados e centralizados, fortemente inseridos no comércio internacional (91). A riqueza era normalmente ditada pela posse de escravos ou de gado, não pela terra, tradicionalmente de posse coletiva ou real (99). Por conta disso a guerra visa em grande parte a captura de escravos, não de terras (109); guerras dessa natureza são relatadas no Chade no século IX. Os seqüestros com propósito de escravização também eram comuns; havia quadrilhas especializadas no ardil (110). A escravização também poderia ocorrer como punição penal, por exemplo devido ao não pagamento de dívidas, ou como resultado de punições em disputas políticas. Comunidades constituídas por escravos fugidos também existem de longa data na África (118).

            Os negros entram na Europa com a invasão árabe na Península Ibérica; sua presença é maior com os almorávidas, lutando nos exércitos árabes ao lado dos berberes; são vistos representados em códices europeus do século XIII (133). A despeito do uso majoritário do trabalhador livre no sistema feudal, há ainda escravos; os cristãos compram-nos na Ásia Menor ou dos vikings, e os tomam dos árabes à medida que avançam pela Espanha. Em regiões como Espanha, Sicília e Rússia o uso majoritário da terra é o trabalho escravo em grandes propriedades agrícolas (135).
            A mão-de-obra escrava aumentaria consideravelmente com o cultivo de cana de açúcar. Os europeus tomaram contato com a cana de açúcar durante as cruzadas; cultivada na Palestina, logo foi levada para Chipre, em seguida para a Sicília e Algarves, entre os séculos XII e XV. Mais tarde será plantada nas Canárias e Madeira, e então introduzida nas Américas (136). Há um grande debate sobre o volume do trabalho escravo utilizado na cultura de cana no Mediterrâneo, mas parece que prevaleceu o trabalho assalariado. Segundo Gorender, é no Brasil que vai começar um novo modo de produção, o escravismo colonial (138); o “engenho-com-plantação” é o prenúncio de um sistema integrado de produção em larga escala. Cerca de 10% da população de Domesday (Inglaterra) era escrava em 1086; a Genova do séc. XIII, com 20.000 habitantes, tinha 3.000 escravos. A Peste Negra causou cerca de 25 milhões de mortes e fez escassear a mão-de-obra, o que produziu um aumento da procura por escravos na Itália e na França; entre 1414 e 14213 mais de 10.000 escravos foram vendidos em Veneza (141); o assunto não incomodava ninguem, desde que não se escravizassem cristãos. Em 1328, 36% da população de Maiorca é escrava; já seria, nos dizeres de Charles Verlinden, uma sociedade escravista.
            A partir da reconquista do Algarve, em 1249, os cristãos conseguem estabelecer colônias de mercadores no Norte da África e passam a negociar diretamente com as caravanas transaarianas (142); a expansão otomana havia transformado o norte africano no principal mercado de compra de escravos. Com a conquista de Ceuta (1415) os portugueses fazem as primeiras expedições próprias para prear escravos. A presença negra na Ibéria é tão comum que há uma confraria de cristãos negros em Barcelona e Sevilha.
            Em 1445 os navios portugueses fazem capturas de escravos no Senegal (151); isso produz uma violenta reação das populações costeiras, que passam a atacar as galeras munidos de grandes canoas armadas com flechas envenenadas; o navegador Nuno Tristão e 19 camaradas foram mortos num ataque destes. A violenta resistência produz uma mudança de estratégia: os portugueses passam a comerciar, trocando produtos com os navios fundeados perto da costa. Desde o inicio há negros compondo as tripulações portuguesas como marinheiros e como tradutores; o trabalho do tradutor é essencial, e ele é pago com escravos (157); os escravos são agora adquiridos das populações costeiras, em troca de produtos diversos.
            O primeiro estado negro a fazer contato com os portugueses é o Reino Jalofo, no Senegal (159), governado pelo “burba” e rodeado de estados vassalos; a elite jalofa é muçulmana, mas a maioria do povo segue cultos locais; o rei então pratica o islamismo e ao mesmo tempo participa de cultos animistas. O primeiro entreposto português na costa atlântica foi estabelecido na ilha de Arguim (169), pouco depois do Cabo Branco, onde ofereciam tecidos e trigo por ouro, escravos e produtos africanos. Fontes do período: Cadamosto, Valentim Fernandes e Duarte Pacheco Pereira. Arqueólogos desenteraram peças européias datadas dos séculos VIII ao XI na Nigéria, prova do alcance do comércio transaariano (200); no século XV havia uma intensa industria de tecidos na região. A partir de 1479 portugueses e outros europeus vão atuar como intermediários no tráfico local de escravos da chamada Costa do Ouro (Gana), comprando e vendendo escravos para os próprios africanos (203). E em 1482 os portugueses constroem na costa de Gana sua primeira feitoria fortificada, o forte de São João da Mina; com isso dão um passo a mais no sentido de tornarem-se independentes dos reis locais (210). Os portugueses se beneficiam de um grande conflito que opõe a duas potências locais, o Império do Mali e o Império Songai (215), o que facilita sua penetração na região; no período de 1500-1535 os portugueses compram 12.000 escravos e adquirem em torno de 600 kg de ouro ao ano. Braudel considera que os portugueses são responsáveis pelo desmoronamento do comércio transaariano a partir de então; o assunto é bastante controverso, e Costa e Silva prefere acreditar numa diminuição do movimento comercial pelo Saara, mas que ele permanece importante por um longo período posterior.
            Judeus vindos da Espanha, os cristãos novos, são utilizados na colonização das ilhas de Cabo Verde; eles vão estabelecer redes comerciais e intermediar o tráfico de escravos na Gâmbia; muitos deles passarão a viver no continente e, livres do controle português, vão restabelecer seus cultos e identidade judaica (241-243), fazendo inclusive concorrência com as redes comerciais portuguesas. Outros ainda vão se integrar às comunidades africanas e chegarão a ocupar altos postos nos reinos locais. Esse processo também vai ocorrer entre os próprios portugueses, os chamados “lançados”; portugueses degredados ou fugidos da Coroa passarão a viver entre os africanos e atuar no comércio, havendo então uma grande miscigenação. Jorge Vaz chegou a abjurar o cristianismo e adotou um culto africano (247).
            A presença portuguesa altera as relações de poder na região, em pleno conflito entre o Mali e Songai; os estados costeiros, até então vassalos do Império Jalofo e pouco importantes, por estarem afastados das rotas comerciais do Saara, repentinamente enriquecem e vão se tornar independentes. Songai avança sobre territórios do Mali e do Grão-Jalofo em fins do século XVI; o mansa do Mali, desesperado, decide estabelecer uma aliança com os portugueses (286). Enquanto isso os marroquinos vencem os portugueses em Alcacer-Quibir; seu líder passa a ser conhecido como Al-Mansur (o vitorioso) e unifica os reinos locais; combateu os otomanos na Líbia e em 1590 enviou uma expedição contra Songai, que incluía cativos portugueses convertidos ao islamismo (291); seu exército de 2.000 arcabuzeiros vence 8.000 cavaleiros e uma gigantesca infantaria em Tondibi; Tombuctu foi ocupada e os marroquinos chegam até as margens do Niger; Songai e Mali dividem-se em pequenos reinos vassalos.
            Os portugueses chegam ao reino do Benin, e assombram-se com as largas avenidas de sua capital (310).
            São Tomé e Príncipe foram o grande laboratório do sistema colonial português; em 1493 as ilhas recebem novo donatário e a colonização é reforçada com 2.000 crianças judias arrancadas aos pais para que não fossem educadas na fé mosaica (318). O sucesso do plantio de cana nas ilhas cria uma demanda por escravos (320), o que vai causar um encarecimento do “produto”; na costa de Benim o preço do escravo salta de 12 manilhas, em 1500, para 57 em 1517 (321). O olu (rei) dos itsequiris (Nigéria), Atonorongboye, é batizado em 1570; era tão devoto que dirigia pessoalmente as preces na igreja que mandou construir. Enviou seu filho, Olu Oyenakpagha, para estudar em Lisboa em 1600; lá ele casou-se com uma dama portuguesa, neta do conde da Feira; tiveram um filho mulato (326) que reinou na África e chegou a escrever ao Papa (327). São Tomé foi também palco das maiores rebeliões de escravos do continente, a partir de 1574. Em 1595, 2.500 negros e mulatos, comandados pelo escravo Amador, assumiram o controle da maior parte da ilha; Amador proclamou-se rei (328). As rebeliões e uma praga que grassou nos canaviais acabaram com a economia açucareira da ilha, que passará a atuar como entreposto no tráfico de escravos para o Brasil.
             
O reino do Congo abraçou com entusiasmo o cristianismo; o rei local, interessado em modernizar seu reino, estimulou a adoção de hábitos europeus, o que vai produzir uma enorme demanda por produtos do velho continente; pagos inicialmente com peças de cobre, os produtos logo passam a ser comprados com escravos. O rei português também estava interessado no progresso do Congo, pois sonhava em ter um poderoso rei católico africano como aliado e base de apoio; mas os habitante de são Tomé sabotaram seus esforços; para eles o Congo só tinha interesse como fornecedor de escravos baratos (372). Para evitar que os próprios congolenses fossem vendidos, o rei do Congo instituiu um monopólio real sobre o tráfico em 1526 (375). A morte do rei, em 1543, e a interferência lusitana na sucessão real desatou a guerra civil; a situação vai se complicar com a invasão da região de povos vindos do interior em 1568, os jagas (390); a partir daí o tráfico se intensifica e vai destruir as estruturas tradicionais da sociedade local. As guerras freqüentes contra os jagas criam uma enorme disponibilidade de escravos que fazem o porto de Luanda prosperar (395); culturas trazidas do Brasil, como o milho e a mandioca, passaram a ser cultivadas por escravos em grandes propriedades; toda a economia do congo agora gira em torno do comércio de escravos.
            Em Angola, a partir de 1571, os portugueses fazem uma nova experiência: ao invés de estabelecer feitorias, decidem conquistar militarmente o território; o plano é ambicioso, de estabelecer uma ligação terrestre com Moçambique. Um rei local, Cassanze, opõe firme resistência e até logra vence-los em combate em 1575. A partir de 1579 a guerra de conquista torna-se espantosamente cruel, com grande morticínio de populações nativas (410); os portugueses recebem o apoio de 60.000 soldados do Congo; malária e febres causam grande mortandade entre os europeus; 1.700 deles morrem em Angola entre 1575 e 1591 (413). Em 1590 uma força de portugueses e espanhóis sofre uma tremenda derrota no rio Lucala. Movido pelas guerras constantes, o tráfico em Angola movimenta cerca de 100.000 escravos no período 1575-1600; cerca de 500 mulatos vindos do Brasil atuam como intermediários no mercado de escravos angolano (417). A partir de 1624 há a longa guerra contra a rainha Jinga (439); ela possuía armas de fogo fornecidas pelos holandeses e controlava o interior do país. Os batavos, em guerra contra a Espanha, atacam a África lusitana: capturam São Jorge em 1637, Arguim em 1638, Luanda em 1641 e Axim em 1642; o objetivo deles era substituir os portugueses no controle do tráfico de escravos. Forças holandesas vindas de Pernambuco participaram das operações em Angola usando 200 índios brasileiros (466).
            A invasão holandesa em Angola deixou os lusitanos em dificil situação: expulsos do litoral, eram atacados no interior pela rainha Jinga, que esteve muito perto de destruí-los completamente; estes foram salvos com a chegada da frota brasileira de Salvador Correia de Sá, em 1648, que expulsou os holandeses. Jinga terminou por assinar um vantajoso acordo de paz com os lusitanos em 1656; faleceu em 1663 com 81 anos de idade (481). Data desse período o controle dos luso-brasileiros sobre Angola e a expressiva presença deles na Costa dos Escravos, em especial no forte da Mina; vinha da Bahia um dos produrtos mais apreciados pelos reis africanos, o tabaco (542); os baianos vão se estabelecer no porto de Ajuda a partir de 1681 (543).
            Nesse meio tempo o império marroquino se expande pelo oeste africano, e grandes nações muçulmanas formam-se entre o Sudão e o Chade, conectadas ao comércio do Saara. Os otomanos estão firmemente estabelecidos no Egito, e os árabes na Somália e Eritréia; os cristãos etíopes, sentindo-se cercados, receberam com agrado um enviado do rei português, em 1503 (573) e as notícias da presença lusitana nas costas da Somália. Um representante do Negus esteve em Lisboa em 1509, para negociar uma aliança. A Etiópia venceu uma invasão muçulmana a partir da Somália, em 1516; mas em 1528 os muçulmanos retornaram com um exército maior e canhões; a quase totalidade do país foi ocupada; monges foram mortos e importantes monumentos culturais e livros destruídos (578). Os portugueses atenderam os pedidos de ajuda e enviaram uma expedição em 1541 comandada por Cristóvão da Gama (583). Os otomanos também enviaram reforços e o exército lusitano foi derrotado (1542). Mas no ano seguinte um levante etíope expulsou os árabes; os otomanos se estabeleceram na Eritréia. Há ainda um detalhe curioso: a luta dos etíopes contra os falachas (judeus negros), organizados em pequenos reinos autônomos no Tigre; derrotados numa longa campanha, entre 1577 e 1594, seriam progressivamente conquistados (589), e alvo de discriminação por parte dos cristãos etíopes.
            A conversão do Negus, Suzênios, ao catolicismo romano, em 1609, devido à pressão portuguesa, desencadeou progressivamente uma guerra civil; o abuná, representante da Igreja copta monofista de Alexandria, insuflou o povo contra o imperador (594); Suzênios, após tentar uma conversão forçada do clero copta, renunciou ao trono em 1632. A situação havia mudado a ponto de os abissínios se aliarem aos árabes para expulsar os portugueses do país (596).
            A Etiópia experimentou uma fase de grande progresso econômico no século XVII por conta da exportação do café para a Europa (598). Os árabes então controlavam toda a costa índica africana, a partir de Moçambique até a Somália e Madagascar; o comércio é feito com Etiópia, Egito, Arábia, Pérsia, Índia e Indonésia (616). Os portugueses apelam às armas para tentar controlar os portos da região (621); os turcos reagem com navios vindos do Egito, atacando portos e navios lusitanos e enviando tropas para Mombasa em 1588; depois disso, inexplicavelmente, se desinteressaram pela região. Foi o rei de Omã que passou a liderar a resistência; o sultão Ibne Saif expulsou os portugueses de Mascate em 1650 e passou a fabricar galeras copiando o modelo lusitano; em 1669 os omanianos atacaram a costa de Moçambique, e em 1698 expulsaram os portugueses da maioria de suas posições (645); apenas em 1727 os portugueses voltaram a ocupar portos importantes em Moçambique.
            No século XVII houve um importante esforço lusitano para colonizar o Zambeze; isso produziu conflitos com o Império Monomotapa (670); as guerras constantes permitiram a formação de outro importante centro de tráfico escravagista (684).
            Quando os portugueses chegaram a Madagascar, em 1500, já havia na ilha quilombos formados por ex-escravos fugidos do continente (718), prova do volume do tráfico muçulmano praticado na região. Portugueses, holandeses e franceses tentaram fincar raízes na ilha sem sucesso, tendo sido expulsos pelos reis locais.
            O Marrocos, em plena expansão, durante o governo do sultão Mulai Ismael (1672-1727) importou da Senegâmbia um total de 200.000 escravos para trabalhos agrícolas e a formação de um exército (787).
            Segundo Lovejoy, o tráfico escravista durante o século XVI movimentou 1.900.000 de escravos pelo Atlântico e 1.000.000 pelo Saara/Mar Vermelho/Indico; no século XVII foram respectivamente 6.100.000 e 1.300.000 de escravos, indicando a estabilização das rotas árabes e a explosão do tráfico liderado pelos europeus com destino às américas.